Malachi Ferrero já se encontra do lado de fora,
visivelmente contrafeito, em frente ao amigo aniversariante e ao cliente cujo
único nome conhecido é o de uma marca de whisky.
Ambos estão sentados, ligeiramente inclinados e de braços apoiados no balcão,
lá ao fundo, junto à entrada para o balcão e para a copa, num espaço que
entretanto ficara vago. Conversam, bebem, fumam. Nisto, aparece uma drag-queen,
responsável não só pela animação como também pelas mesas, para pousar uma
mão-cheia de copos vazios e buscar mais bebidas. Jaime aproxima-se
imediatamente dela e implora:
– Manel,
dá uma mãozinha ao Nuno enquanto eu vou à casa de banho. Estou aflito, já não
aguento. É rápido... vou num pé e volto noutro.
Os lavabos abarrotam, há uma longa fila de gente a
aguardar vez para entrar. Jaime dirige-se à casa de banho interna, junto ao
gabinete da gerência, para uso exclusivo da casa. Fecha a porta por dentro e
marca um número no seu telemóvel. A chamada não é atendida. Impaciente, marca
outro número, de rede fixa. Dispara o voice-mail.
«Renato, sou eu. Se ouvires esta mensagem, vem a correr para o bar. Há
novidades. Não posso falar mais», sussurra para o atendedor. A seguir, envia
uma mensagem escrita, para o telemóvel do jornalista, com três breves frases:
«Está cá o Passarão e dois Passarinhos. Um deles faz anos. Brindam com Hankey
Bannister.»
Regressa e observa-os de soslaio. Procura ficar o mais
próximo possível deles, na expectativa de ouvir o que falam, atendendo os
clientes dessa zona enquanto Nuno controla a outra parte do balcão. Bannister
faz outro tim-tim com os copos aos “bons velhos tempos” e, cinicamente,
recrimina-os, num breve murmúrio que Jaime mal consegue captar:
– Tanto tempo lá dentro e vocês nunca me visitaram, seus
mal-agradecidos. Nunca me visitaram! Gostam de cuspir no prato onde comem.
Ingratos!
Malachi e José Campos entreolham-se e nada dizem.
O tráfego humano neste recinto, vindo da sala onde se
situa a pista de dança em direcção aos lavabos e vice-versa, é atordoante. E aparecem cada vez mais
pessoas fantasiadas, acabadas de chegar.
Valero surge na entrada do balcão, com a máquina fotográfica pendurada ao
peito, quando se ouve «La Isla Bonita». Pede a sua mochila, troca a bateria do
equipamento e devolve-a. Jaime entrega-lhe uma cerveja. Ele comenta:
– É pá, o Miguel deve estar maluco. Que é que lhe deu
para passar Madonna nesta noite?
– Não faço ideia. Olha, Valero, preciso que me faças um
favor. – Acerca-se-lhe do ouvido e cicia: – Estás a ver o tipo de preto ali à
frente, com o Malachi? Aproxima-te dele e presta atenção a tudo o que ele diz.
– Ó Jaime, desculpa, hoje não dá. Tenho de fazer a
reportagem.
– Tens a noite inteira para fotografar e só ainda são
duas horas. Por favor, Valero. É importante! Fica aí pelo menos uns dez ou
quinze minutos, enquanto bebes a cerveja. O Malachi também não deve demorar, só
está a beber um copo e depois volta para o balcão, estamos a precisar dele.
Além disso, podes ir fotografando, o pessoal passa todo ali.
– Tudo bem, Jaime. O que é que eu não faço por ti?
– Mas disfarça. Faz de conta que estás ali por acaso,
como quem não quer a coisa, a observar o ambiente e a fotografar. Não deixes
que eles percebam. Quando terminares a cerveja, se o Malachi ainda lá estiver,
vem buscar outra.
– É tudo? Então vou-me retirar.
– Só mais uma coisa: na primeira oportunidade fotografa também o tipo, sem que
nenhum dos três dê conta. Põe alguém a fazer pose à frente deles e dispara o flash, mas apanhando sempre o gajo.
Faz-me esse favor, Valero. Olha, ele está a chamar-me.
– Ó garçon,
traz mais gelo!
– Garçon é o
raio que te parta – sussurra Jaime entredentes, enquanto enche um balde de
gelo. – Que sujeito desaforado!
Aproveita para recolher os copos vazios e limpar o
balcão. Pega no jarro de flores artificiais que se encontra junto deles, quase
a roçar o braço de Bannister, enfia discretamente uma caneta no meio das
flores, passa um pano húmido no balcão e devolve o jarro ao respectivo lugar.
Pousa o balde de gelo, um cinzeiro e três copos limpos no balcão e pergunta ao
cliente se deseja mais alguma coisa.
– Dois copos de leite para estes marmanjos. Cortesia da casa!
Jaime
fita os rapazes, que se aproximam e referem os nomes das bebidas, depois olha
para o patrão. Perante o aceno positivo de Malachi, cumpre a sua função e os
jovens tornam a desandar.
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Excerto do meu conto «Os Amigos de Malachi»
Publicado na antologia «Ninguém Leva a Mal»
Da Colecção Sui Generis
Livro à venda na livraria online da Euedito
Neste endereço: www.euedito.com/suigeneris
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