PREFÁCIO
Desde que instituí a Colecção Sui Generis,
planeei cuidadosamente cada projecto literário que viria a organizar para esta
colecção. Cada vez que anunciava uma nova obra colectiva, há muito tempo que o
tema proposto no regulamento havia sido estudado e estava bem definido. Cito como
exemplo a antologia inaugural da colecção, A
Bíblia dos Pecadores – Do Génesis ao Apocalipse... a ideia original surgira
pela Páscoa de 2015 e foi sendo “cozinhada em lume brando” durante os meses
subsequentes, até que o seu regulamento se tornou público em Agosto desse ano.
De facto, prefiro amadurecer com bastante antecedência qualquer tema que proponho
desenvolver, tal como gosto de preparar minuciosamente todas as etapas
inerentes ao processo de produção e edição de cada livro. Uma regra bem vincada
em todas as obras literárias, individuais e colectivas, que têm o selo Sui
Generis. Ou em quase todas. A excepção ocorreu com Os Vigaristas... cuja concepção inicial resultou de um impulso.
Nessa época, vivia uma situação algo
dramática e um tanto surreal no campo literário. A pessoa responsável por um
conhecido grupo editorial, para o qual trabalhei entre Setembro e Novembro de
2015, dinamizando uma das quatro editoras que compunham a empresa, quis
(tentou) apoderar-se, sem qualquer pingo de escrúpulos, da minha (primeira)
obra colectiva: uma antologia independente que organizava em paralelo às
funções exercidas na editora que, volvidos quatro meses, aquando da sua
publicação, daria origem à Sui Generis: a já referida A Bíblia dos Pecadores. Defendi sempre, com unhas e dentes e a
garra de um leão, o meu projecto; não permiti que me fosse arrebatado! Remando
contra ventos e marés, a impressão do livro tornou-se uma realidade e chegou o
dia, na cidade de Lisboa, da sua apresentação pública: 13 de Fevereiro de 2016.
Durante todo esse período, a referida pessoa,
talvez frustrada por não ter conseguido apropriar-se do suor alheio, moveu-me
uma perseguição sem tréguas. Entre ameaças veladas, calúnias e insultos, chamava-me
nomes como “verme” nas redes sociais e insinuava publicamente que eu era
“oportunista”, numa tentativa de desmoralizar-me e quiçá fragilizar-me. Já que
não lhe fora possível usurpar a (minha) Bíblia,
restava-lhe a via da vingança: aniquilar-me! Destruir-me moralmente e
psicologicamente...
A perseguição culminou com uma grotesca
tentativa de sabotagem à sessão de apresentação de A Bíblia dos Pecadores e, no dia seguinte, com a divulgação do 8º Concurso
Literário promovido por uma das editoras do referido grupo editorial,
intitulado O Oportunista – cada
edição explorava temas diferentes. Como se isso não bastasse, a colectânea
paralela ao concurso subordinava-se ao lema Em
terra de cegos quem tem olho é rei... uma clara tentativa de voltar os
autores contra mim... apelidando-os descaradamente de “cegos”. Só que, dessa
vez, reagi. E a minha reacção primou pelo inesperado. Ao invés de acobardar-me
ante a nova campanha (mais uma) de desmoralização pública, ousei enfrentar a
fera – usando a literatura como arma! Foi desse modo, no mesmíssimo instante em
que tive conhecimento do dito concurso e da dita colectânea associada ao certame,
que decidi organizar, num momento claramente impulsivo (irreflectido?), uma antologia
literária cujo tema seria dedicado àquele que eu (e uma imensidão de autores
lesados pela mesma pessoa) considerava ser o real carácter da figura que me
atormentava... o título nada tinha de oportunista, mas não poderia ser mais
oportuno e revelador: Os Vigaristas.
Regulamento e cartazes publicitários não
tardaram a surgir na Internet. Causaram forte impacte. E também alguma confusão...
mas, acima de tudo, uma certa compreensão
do que se passava. De tal modo que o autor Carlos Arinto indagou: «Ó Isidro,
que história é essa de vigaristas e oportunistas?» Redargui frontalmente:
«Assumo que se trata de uma resposta. Aquela mulher tem de entender, de uma vez
por todas, que eu não me deixo intimidar!» E, de facto, nunca me intimidei
perante a perigosidade de uma vigária
mesquinha, de má índole. Tal como, também de facto, deixaria, daí em diante, de
sentir-me importunado. A carapuça em
boa hora tornada pública encaixara na perfeição na cabeça (maquiavélica) de
alguém. Desde que passei a promover, numa base diária e sem qualquer hesitação,
a nova antologia intitulada Os Vigaristas,
a dita pessoa que tentara aplicar-me o golpe deu mostras de ter compreendido
que muito dificilmente conseguiria extorquir-me – ou mesmo derrubar-me. Então,
decidiu deixar-me em paz. Deu-me paz. A paz que eu tanto almejava.
O tempo ia correndo, outras situações
sucedendo (alheias a este assunto mas que acabariam por interferir, de algum
modo, na celeridade do projecto) e a “resposta” inicial pela via da literatura
foi perdendo o interesse. Recuperada a paz outrora perdida, qualquer “vingança”
deixaria de fazer sentido – porque, de facto, eu só queria laborar em paz...
desenvolver os meus projectos em paz! Nada mais. Não tornei a preocupar-me com
isso. No entanto, havia posto em marcha uma (nova) antologia cujo tema, fruto
das circunstâncias e resultante de um impulso defensivo, não tardei a perceber
ser deveras fascinante. A partir daí somente esse facto assumiria importância:
o tema! E não obstante os imensos contratempos (de outras naturezas) que doravante
surgiriam, desencadeando um longo atraso na produção e impressão do livro
finalizado, o projecto, embora peque pela concretização tardia, resultaria numa
belíssima e interessantíssima obra literária dedicada ao universo dos vigários e das suas vigarices.
Quanto ao tema... qual é a sua definição? De
acordo com dicionários e enciclopédias, o vigarista é «alguém que se
especializou a enganar outras pessoas». O Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa diz sobre ele: «indivíduo que visa enganar
outros por meios ardilosos ou de má-fé» e que «engana os mais incautos, servindo-se
do conto-do-vigário para lhes tirar dinheiro». A Infopédia define-o como «indivíduo que explora outros por meios
fraudulentos» e o Dicionário Online de Português
resume-o a «pessoa que passa o conto-do-vigário». E os sinónimos, em qualquer
dicionário, abundam: burlão, intrujão, trapaceiro, embusteiro, impostor,
trafulha, charlatão, chantagista, farsante, trampolineiro, golpista, pilantra,
falcatrueiro, vígaro, gatuno, ladrão, larápio, rapinante, vigário, entre
outros.
A Vikipédia
traça um perfil mais completo. Segundo esta enciclopédia virtual, o vigarista é «alguém especializado em enganar outras
pessoas, passando a ser considerado um criminoso quando
os seus actos têm consequências graves, como obter lucros ilícitos, ganhando dinheiro através
de fraude, enganando, mentindo
e encenando situações que levam os mais ingénuos ou gananciosos a
acreditar que estão a fazer um bom negócio mas,
na verdade, estão a ser ludibriados»; e ao
contrário do que se possa pensar, «um vigarista tem boa aparência, transmite
confiança, é esperto e tem a capacidade de assumir a aparência necessária para
lidar com a situação do momento, tanto podendo ser do sexo masculino como
feminino, sendo charmosos e persuasivos», frisando que «existem imensos tipos
de vigaristas, sendo praticamente impossível descrevê-los a todos; normalmente,
são descritos pelo tipo de vigarices que praticam, que podem ir desde variações
de golpes centenários à criação de golpes originais e à utilização das novas
tecnologias e mesmo à forma de tornear as leis. Os tipos mais comuns são os
vigaristas de negócios, de empréstimos, de rua e da Internet.» A mesma
enciclopédia, apresentando outros termos para definir os vigaristas, refere que
no Brasil são também conhecidos por enganador, fraudador, estelionatário e 171 (número do artigo do Código Penal brasileiro
para o crime de estelionato), e esclarece que a palavra “vigarista” deriva
de “conto
do vigário”, expressão usada para descrever de forma genérica
qualquer tipo de história que pareça verdadeira mas que, de facto, não o é e
tem como único objectivo induzir quem a ouve a desembolsar dinheiro.
Posta a explanação, eis a questão: quem não
reconhece um vigarista? Na rua onde vive, no local de trabalho, no café, na
discoteca, no baile da paróquia, na associação cultural, nas instituições, na
empresa a que recorre para contratar um serviço, em qualquer lugar... Quem não
conhece vigaristas daqueles bem simpáticos, dissimulados, sonsos, porém, cativantes,
atenciosos, podendo mesmo ser fascinantes, com sorrisos manhosos, falinhas
mansas e olhares de deleite, algo carismáticos, acima de qualquer suspeita, que
no início fazem de tudo para “meter as pessoas no coração”, mas... quando menos
se espera... eis a desilusão! Espetam-lhes a faca nas costas sem qualquer hesitação!
«Quem de vós nunca se sentiu ludibriado... enganado... vigarizado? No contrato
que assinou, no serviço que não recebeu, no dinheiro emprestado, nos “direitos”
nunca vislumbrados, no amor jamais recebido, inclusive no casamento que não
resultou (o famoso “golpe do baú”)... enfim, em tantas situações da vida quotidiana.
Afinal, quem nunca se deixou levar pela Cantiga do Bandido?»
Era este o desafio que constava no texto
introdutório ao regulamento de Os
Vigaristas, difundido largamente na Internet, sendo ilustrado por cartazes publicitários
apelativos. E o resultado, pese embora tardio, é a obra colectiva que agora se
apresenta, constituída por Crónicas, Poemas e Contos do Vigário de 26 autores
lusófonos, em que se incluem textos de dois grandes vultos da Literatura
Portuguesa: Camilo Castelo Branco e Fernando Pessoa. Uma especial atenção ao
mestre Pessoa, que legou-nos uma deliciosa e sagaz história, escrita em 1926
com o sugestivo título Um Grande Português
e republicada três anos mais tarde já com o nome A Origem do Conto do Vigário – na qual ficciona a vida de Manuel
Peres Vigário, um lavrador ribatejano que se terá aproveitado da ganância
alheia para trapacear. Um conto preciosíssimo que não poderíamos deixar de
incluir nas páginas desta tão sui generis
antologia literária. Boas leituras!
Isidro Sousa
OS
VIGARISTAS
Crónicas,
Poemas e Contos do Vigário
Autores:
26 Autores
Organização:
Isidro Sousa
Colecção
Sui Generis
Editora
Euedito
ISBN:
978-989-8896-08-7
Depósito
Legal: 435955/17
EDIÇÕES SUI GENERIS
letras.suigeneris@gmail.com
https://letras-suigeneris.blogspot.com
https://issuu.com/sui.generis