Henrique e Leonardo colocam os cavacos no
canto reservado à lenha, próximo da lareira. Põem alguns troncos entre os potes
de ferro, fazendo ressurgir as chamas do borralho. Dona Isabel prossegue as
suas tarefas, sem referir o que Manuela lhe dissera. Enche os potes de batatas,
nabos, centeio, restos de frutas e verduras, preparando assim a alimentação das
vacas e dos porcos. Os rapazes continuam na expectativa se a irmã percebeu, ou
não, o que eles falavam no quinteiro, porém, abafam as palavras. Dona Isabel
repara que cochicham um com o outro, embora de nada suspeite. Pouco depois,
eles vão lá para fora. Sentam-se no patim. Quando a mãe se aproxima da porta
para pegar num balde de água, ouve murmúrios sobre Irene. Quer saber o que se
passa. Os filhos tentam disfarçar, todavia, ela já escutara o suficiente para
ficar com a pulga atrás da orelha.
– Que estais a dizer, Inrique?
– Nada, minha mãe.
– O que é que tem a Irene?
– Num tem nada, minha mãe.
– Num’inganes, Inrique!
– O Rique só disse que era melhor casar com a
Irene antes de ir para a tropa.
– Mau, mau, Lionardo! Vós estais malucos ou
quê?
– Ó Rique, é melhor contar já à mãe que
queres casar.
– Isso é verdade, Inrique?
– Você gosta da Irene, num gosta?
– Ó meu filho, a Irene é uma bela cachopa,
filha de boa gente. Mas como é que tu vais casar se num tens eira nem beira?
Nós somos pobres, mal temos para comer, e ainda queres trazer outra boca para
dentro de casa? Deixa-te mas é de tolices. Quando vieres do Ultramar, arrumamos
a tua vida e casas-te com ela.
Leonardo adverte o irmão: já que falaram em
casamento, devem prosseguir. Incentiva-o a abrir-se com a mãe. Não vale a pena
tentar tapar o Sol com a peneira pois, mais cedo ou mais tarde, ela mesma tomará
conhecimento da realidade. Dona Isabel, ao ouvi-lo, recorda as palavras um
tanto desordenadas da filha e desconfia logo de que Henrique portou-se mal com a namorada.
Interroga-o:
– Que é que tu andaste a fazer?
– Eu? Na... nada, minha mãe.
– Então, por que raio queres casar antes de
fazeres a tropa?
– Porque... porque...
– Porque é preciso, mãe – intervém Leonardo,
sem hesitar. – O Rique e a Irene têm de casar o mais cedo possível, percebe?
Dona Isabel arregala os olhos, leva as mãos à
cabeça e exclama:
– Ai, Jesus-Maria-José! Tu desonraste a
rapariguinha, Inrique? Fala, molengão!
– Aconteceu, minha mãe.
– Ai, meu Deus! Ai, meu Deus!
– Por isso é que me quero casar.
– Ó ordinário, é esse o exemplo que dás à tua
irmã?
– Sossegue, minha mãe – suplica Henrique. –
Nós vamos ajeitar tudo.
– Fale baixo, mãe – implora o filho mais
novo. – Olhe que os vizinhos podem ouvir-nos!
– O que está feito, está feito – prossegue
Henrique. – Agora, tenho de remediar a coisa, antes que seja tarde.
– O Rique tem de se entender rápido com o tio
Ramiro para marcar o casamento – acrescenta Leonardo.
– E como é que ides tapar a boca do povo? –
exaspera-se Dona Isabel. – Os Pereiras num vão gostar nada desta brincadeira!
– Mãe, já disse ao Rique que hoje vou falar
com o Mérico. Ele também num vai gostar, mas eu hei-de amansá-lo e ele vai
ajudar-nos a controlar o tio Ramiro.
– Ai se o
teu pai fosse vivo, Inrique! Dava-te uma coça tão grande que nunca mais te
endireitavas! Isso lá é coisa que se faça a uma rapariguinha de respeito?---
Excerto do meu conto «O Segredo de Leonardo»
Incluído na antologia luso-brasileira «Saloios & Caipiras»
Da Colecção Sui Generis
Livro à venda na livraria online da Euedito
Neste endereço: www.euedito.com/suigeneris
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