O estabelecimento já tem mais gente. No
compartimento seguinte situa-se a pista de dança, ainda vazia, sendo somente
ocupada por um rapaz que dança sozinho, ao mesmo tempo que tenta convencer os
amigos a juntarem-se a si. Um jovem levanta-se timidamente e acompanha-o.
Alguns minutos depois outros dois seguem-lhe o exemplo e mais tarde
junta-se-lhes uma drag-queen, o grupo
acaba por contagiar outros clientes que começam a dançar animadamente. A música
«I want to break free» dos Queen traz mais uns quantos dançarinos para a pista
e quando se aproxima a uma hora da manhã já está a bombar. Toda a área do bar
já quase rebenta pelas costuras.
No compartimento que antecede a sala da pista
de dança, onde se situa o bar principal, há muita agitação. Nada de anormal em
noite de festa – festa temática – comemorada anualmente pelo mundo ocidental. O
ambiente por todo o bar está a
condizer: decoração espectral, de acordo com o Halloween, imagens e máscaras de
bruxas, vassouras, abóboras, teias de aranha brancas em fundos negros,
nomeadamente cortinados, esqueletos, caveiras, mortos-vivos, múmias e até se vê
um caixão na entrada, junto à
porta, aberto, mostrando no seu branco interior um boneco do tamanho de um
homem supostamente morto. Todo o staff
fantasiado de piratas e feiticeiros, todo o mundo descontraído.
Não obstante o espírito fantasmagórico, o ambiente está
nitidamente carnavalesco – inclusive no som, cuja música inclui temas
brasileiros, ciganos, caribenhos, entre outros; assemelha-se, de facto, mais a
um Carnaval fora de época do que à noite das bruxas propriamente dita. Não
faltam igualmente as bonecas de porcelana travestidas, bruxas tailandesas,
máscaras de Veneza...
Malachi Ferrero, o proprietário e único
gerente do Queer, encontra-se do lado de fora do balcão a conversar com o
psicólogo José Campos, cliente
habitual e seu velho amigo. Nesse momento, eles surpreendem-se ao verem alguém
fantasiado de Bruxa Tailandesa – um misto de indumentária tailandesa com uma
máscara de Veneza – que vem ao balcão pedir um Safari com Coca-Cola.
Arrepiam-se quando ouvem o nome da bebida. A bruxinha Tailandesa afasta-se e
Jaime, que está dentro do balcão, ouve-os comentar essa fantasia singular:
– Parece o Lindinho... naquela noite – balbucia José Campos.
– E pediu a sua bebida favorita – observa
Malachi. – Safari com cola!
– Que estranho, Lachi! E as músicas que
passam... fazem lembrar... aquela festa.
– Não entres em paranóia, Zé.
– Este ambiente não me agrada nada – confessa o
psicólogo, mostrando-se desconfortável. Termina a sua bebida e acrescenta: –
Acho que vou embora, Lachi. Diz ao Marcelo que fui para casa.
– Nem penses! – interrompe-o Malachi, segurando-lhe um
braço. – Vais curtir a noite e não sais daqui sem bebermos outro copo aos teus
anos!
O psicólogo aparentemente não dá importância ao seu
aniversário.
– Festejamos amanhã. Já combinei tudo com o Marcelo, que
faz questão disso.
– Nops. É uma da manhã, portanto, já é 1 de Novembro.
Parabéns, meu amigo. Temos de brindar! – Volta-se para o balcão. – Jaime, saem
dois whiskies com água lisa.
O rapaz
obedece e procura ouvi-los atentamente enquanto atende outros clientes. O
aniversário de José Campos despertou-lhe as antenas. Eles brindam, continuam a
falar. À medida que bebe, o psicólogo deixa escapar estranhas palavras,
mencionando diversas vezes “aquela noite”, e Malachi recomenda-lhe prudência.
Marcelo, o namorado do psicólogo, surge junto deles, aceita uma bebida ofertada
por Malachi para brindar e arrasta dali o companheiro até à pista de dança,
para junto dos seus amigos.
---
Excerto do meu conto «Os Amigos de Malachi»
Publicado na antologia «Ninguém Leva a Mal»
Da Colecção Sui Generis
Livro à venda na livraria online da Euedito
Neste endereço: www.euedito.com/suigeneris
Sem comentários:
Enviar um comentário