17 julho, 2015

O SORRISO DE ADRIANO


Adriano tinha os pés fincados na areia molhada, os músculos das coxas bem marcados, o contorno do sexo desenhado, com arrogância, sob o calção colado à pele. Os peitorais pronunciados denunciavam que praticava ginástica e escapava-se-lhe do corpo atlético uma aura de vigor e energia.
Matilde estava com o marido na praia; contemplou-o com um misto de arrebatamento e surpresa. Uma perturbação crescente tomava-lhe o sangue, nublava-lhe os olhos. Era uma sensação nova, um entorpecimento que a deixava entontecida, num desejo imenso de embalar num melodioso desvanecer.
Ele abordou José Pedro. Ela corou, numa súbita vergonha, o coração descompassado. Os olhos de ambos cruzaram-se; o discreto sorriso que ela esboçou era um sorriso de resposta ao sorriso encantador que ele lhe enviava. A voz de Adriano era cálida, máscula, sem ser dominadora. Foi assim que Matilde a ouviu, maravilhada, num misto de terror e deleite.
Observou-lhe com mais atenção os olhos claros, a boca bem desenhada, a expressão desafiadora. Havia nele uma beleza viril que desconhecia no marido; e quando o ouviu rir, reparou que a gargalhada era fresca. Fixou-lhe extasiada o som do riso, sentindo que um súbito rubor lhe punha um frémito de Primavera no rosto.
Enquanto eles falavam, recostou-se na toalha, semicerrou os olhos, num doce torpor, e sentiu a mão dele pousar na sua. Uma mão quente, firme, vigorosa. Ficou numa agradável modorra, embalada pelo som das palavras deles. Só se ergueu quando Adriano se despediu, prometendo que os visitaria brevemente.
Ele surgiu no restaurante no dia em que a doença foi diagnosticada. Matilde atendeu-o, bebendo aquele sorriso que era só para ela, com aqueles olhos de água em que somente os seus olhos mergulhavam e aquele esplendor de luz a irradiar-lhe do corpo. Ouvia-lhe a voz macia por dentro de si mesma...
Inquirida sobre José Pedro, entrou em confidências: revelou o drama que desabara nas suas vidas, o cancro que ameaçava o marido, o sofrimento que essa notícia lhes trazia.
Adriano reconfortava-a e tudo passou a ganhar, a partir desse momento, uma dimensão mágica, como se o mundo despertasse e se enchesse com as palavras de ambos, as conversas a que se entregavam, as mil pequenas coisas que ela fazia e, ao mesmo tempo que as fazia, sentia que as compartilhava com aquele homem que se tornava cada vez mais íntimo. E não tardou a cair-lhe nos braços...


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in «Um Livro Num Dia», páginas 173-176
Chiado Editora, Abril 2015

4 comentários:

  1. mummmmm... a minha imaginação já abstraiu me da realidade...

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  2. Como sempre, soberbo! O texto e a imagem. ;) As descrições estão para lá da perfeição, arrastando-nos para o cenário. Ainda me faz pecar em pensamento, homem de Deus! Parabéns!

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  3. Obrigado pelos comentários. Devo referir que o regulamento estipulava um limite de 2000 caracteres para este texto, só por isso não o desenvolvi mais. Foi um desafio interessante, mas a história do Adriano e da Matilde não poderia ficar por aí... Desenvolvi-a para outro projecto, ficando com um total de oito páginas A4. O novo texto chama-se «O Susto de Matilde» e será publicado (brevemente) na colectânea «Crime Sem Castigo», da Pastelaria Studios Editora.

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