Agora que, finalmente, «O Beijo do Vampiro» já está impresso e a sessão de lançamento agendada para 28 de Maio, deixo aqui um pequeno excerto (na verdade, a introdução) do meu texto incluído nesta antologia vampírica. Espero que gostem. Qualquer comentário ou crítica será apreciado...
***
A
ODISSEIA DE DIOGO
Isidro
Sousa
A juventude exalada pelos poros do meu corpo circula
paulatinamente, desde sempre inalterável, por entre o mundo que me rodeia,
porém, alma humana na minha pessoa deixou de existir há muito tempo, o que não
me permite envelhecer, preservando a eterna aparência de efebo imaculado.
Os meus longos cabelos castanho-claros mantêm o exacto
comprimento que atingiram naquela virtuosa, longínqua e saudosa adolescência,
sem alterar um milímetro – desde então, o crescimento extinguiu-se e a
regeneração, se ousar cortá-los, é rápida. Os meus olhos, outrora esverdeados,
adquiriram um intenso brilho escarlate, tornando-se demasiado sensíveis à luz
diurna, o que faz de mim um ser noctívago – vivo noite após noite, como uma
ratazana, à cata do alimento indispensável à minha existência desventurada e
durmo, durante o dia, em caves de fábricas abandonadas ou de prédios devolutos
e em galerias subterrâneas que vou descobrindo nas diversas cidades por onde me
desloco. E sempre que acordo, ao escurecer, sinto imensa secura de sangue –
este precioso líquido imprescindível à minha sobrevivência é o meu exclusivo
alimento, podendo ser tanto de pessoas como de animais. Tudo isso, somado à
posterior alva tonalidade da minha epiderme, a roçar a palidez e de causar
temor ao susto, só disfarçável com suaves maquilhagens, é fruto da indesejável
enfermidade que me fustigou e não mais me repudiou – o meu organismo achou-se
maculado por um vírus raríssimo, um bicho demoníaco cujo contágio é inevitável
se alguém ingerir o meu sangue; foi justamente desse modo, ingerindo sangue
infestado, aquando dos meus verdes e inocentes quinze anos de idade, que
contraí inesperadamente, da noite para o dia, essa rara doença, todavia, eu
jamais, em sã consciência, transmitirei qualquer infecção relacionada porque,
além de ser penoso sentir sede de sangue todas as noites, esta maldição
transforma desgraçadamente o ser humano num morto-vivo ambulante, condena-o a
suster irremediavelmente uma vida nas trevas fenecida, embora o seu coração
permaneça vivo, continuando a bater. O único aspecto decorrente desta moléstia
que certos desalmados poderão considerar positivo é a quase imortalidade, ou seja, a longevidade, já que o meu organismo
não expirará facilmente como o de qualquer ser humano, excepto se for destruído
pelo Sol – não devo nem posso, em circunstância alguma, expor-me a raios
solares; caso contrário, o meu corpo incendiar-se-á, explodindo como
combustível numa poma de fogo. Além disso, não obstante a minha aparente debilidade,
possuo uma força sobre-humana, uma cicatrização ultra-rápida e sou detentor de
poderes telepáticos extremamente proveitosos para que me possa alimentar sem
que as minhas vítimas se lembrem do ocorrido na hora seguinte.
Nos primórdios desta malfadada existência, eu não
conseguia controlar a minha sede de sangue e destruí inúmeras vidas inocentes.
Procurei em vão, em momentos de assaz desespero, alimentar-me de comida humana,
só que esta revelou-se-me nociva; rendi-me então, inevitavelmente, à fatal evidência
da minha obscura subsistência – contudo, fui descobrindo um meio-termo, o
ambicionado equilíbrio entre as minhas privações e a vida de outrem, e, hoje em
dia, bebo somente a quantidade necessária que me permita sobreviver, sem matar
mais alguém. Afortunadamente, para mim, o monstro que me transformou numa
entidade das trevas foi exterminado há vários séculos: a Santa Inquisição, que
de santa só exibia o nome, capturou-o no ainda lusco-fusco de um iminente
alvorecer, conseguiu neutralizar a sua energia satânica, crucificou-o no topo
de uma montanha e, quando, por fim, o Sol nasceu e os seus raios o atingiram,
ele foi totalmente incinerado. Devo referir que os vampiros são criaturas
profundamente carentes e solitárias devido ao seu isolamento da sociedade e apaixonam-se,
com frequência, pelos seus alvos. Isso sucedeu com o meu malfeitor, sendo devido
a esse insalubre arrebatamento que ele me esculpiu numa réplica de si mesmo,
restringindo-me a uma forçosa vivência indesejada. Ele garantia que me amava,
mas judiou de mim durante décadas por ter um amor distorcido. Além disso, era
ciumento e barbaramente violento! Por conseguinte, eu é que sofria as suas
torturas. Após ele ter sido aniquilado pelo Santo Ofício, suspirei de alívio,
sentindo-me finalmente livre da sua possessão! Libertei-me, todavia, nunca tive
o privilégio – ou direi o drama? – de amar alguém. Mas, quiçá, um dia isso pode
acontecer...
Nos tempos modernos, uso frequentemente roupas negras,
botas de couro pretas e um casaco com capuz igualmente escuro, para disfarçar a
minha verdadeira natureza. Movimento-me em zonas urbanas onde existem
estabelecimentos de diversão nocturna, procurando bêbados que saem de
restaurantes, bares ou discotecas. Recorrendo sempre ao meu poder mental,
induzo telepaticamente para que as potenciais vítimas rumem a becos ou ruelas
sombrias onde eu me possa alimentar tranquilo. Bebo apenas o sangue suficiente
de cada vítima e, antes de abandonar o indivíduo em questão e ir embora,
utilizo a minha saliva cicatrizante para lhe sarar os ferimentos da mordida e
apago-lhe da memória o que acabou de ocorrer – apesar de a mordedura vampírica,
ao contrário do que os humanos possam julgar, ser prazenteira para a pessoa que
é atacada, porque liberta-lhe na corrente sanguínea hormonas sexuais. Não é
raro a vítima usufruir de um potente orgasmo enquanto é sugada. Por vezes,
homens mais assanhados tentam
possuir-me à força. Ainda bem que sou portador de uma energia sobre-humana,
caso contrário seria violado cada vez que me alimentasse!
Mas agora chega de lengalenga porque a fome começa já a
importunar os meus neurónios...
(...)
in «O Beijo do Vampiro»
Esta antologia já está à venda
Pedidos através do email letras.suigeneris@gmail.com
Magnífico
ResponderEliminarObrigado, Fernanda Cruz.
EliminarAi que nervosismo, ele é lindo
ResponderEliminarE muito sensual...
EliminarQueria ser uma vampira, pelo menos eu ficava boa na matemática.
EliminarPrazeirosamente cativante, um vampiro com refinado senso filosófico, erudito e hábil comunicador, faz das intempéries de sua jornada uma narrativa transcendental, que exacerba os sentidos do leitor e desperta uma simpatia natural com tal carácter vampírico. Sem contar na suave e bem amarrada transição melódica entre o antes e o agora, esquecemos até que não se trata de um conto de fadas ao ler o mesmo, é surreal.
ResponderEliminarParabéns, Isidro Sousa! Estou encantada com a sua escrita! Não vejo a hora de ler o restante! Amo histórias de vampiros... E é a primeira vez que vejo uma descrição tão "poética", se assim posso dizer, de um vampiro.
ResponderEliminarObrigado, Sandra Boveto. Este texto tem, de facto, algo de poético. Foge um pouco ao meu padrão. Mas confesso que gostei do resultado...
EliminarMuito bom!! Ansiosa para ler a continuação.
ResponderEliminarBrevemente...
EliminarMuito bom, Isidro! Gostei do seu excerto.
ResponderEliminarFico contente. Isto é só a introdução... porque a odisseia ainda nem começou...
EliminarVocê escreve muito bem.
EliminarPreocupo-me em construir uma boa trama, na qual não haja qualquer incorrecção e nem sequer uma vírgula fora do lugar...
EliminarAcho ótimo isso e vejo que estamos em boas mãos. Também tenho essa preocupação e acho que todos que escrevem deveriam ter.
EliminarSim, deviam; o meu trabalho, nas revisões, ficaria bem mais suave...
EliminarE cadê o resto? Queremos logo saber!
ResponderEliminarEstá no livro...
EliminarÉ só comprar, não é, Isidro?! Kkkk
EliminarSim, Everton. Vamos iniciar já a campanha pré-venda...
EliminarEstupendo, parabéns.
ResponderEliminarBem haja, José Teixeira.
EliminarNão sendo fã de vampiros, o seu texto levou-me, Isidro. Mas a isso já nos habituou. E uma vez mais o felicito. Venha o restante, no livro, claro!
ResponderEliminarDia 28, Isabel... conhecerá toda a odisseia deste vampirinho com ar singelo de adolescente, porém, com 532 anos de idade... contemporâneo de Vasco da Gama, Lucrécia Bórgia, Catarina de Médici, etc, etc... uma viagem pela História dos últimos 500 anos.
EliminarWow!! Promete, promete...
EliminarJá levantei demasiado o véu. Mas há muitos mais... 37 textos no total. Uma Bíblia Vampiresca.
EliminarÉ para aguçar o apetite...
EliminarHum, que interessante, que venha o livro!
ResponderEliminarEstá quase, Luciana Toledo. E desta vez o meu texto conta uma estória bem do género daquelas que você gosta de escrever...
EliminarIsidro Sousa, ai que delícia, adorarei ler.
EliminarBoys, boys, boys... você completa.
EliminarCuriosa para ler o resto da história...
ResponderEliminarBrevemente, Maria Correia.
EliminarEmbora não simpatize com o tema, reconheço um texto bem elaborado e com uma trama interessante! Muito bem!
ResponderEliminarBem haja pelas suas palavras simpáticas.
EliminarUm vampiro Sui Generis e muito interessante. Ainda bem que já vamos ler o restante logo logo :)
ResponderEliminarMal posso esperar para ler o restante.
ResponderEliminarIsidro Sousa, seu texto é excelente! De uma leitura muito prazeirosa e estimulante. Parabéns pela capacidade de tão bem traduzir em palavras suas emoções, sensações e sentimentos!
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