LÁGRIMAS NO RIO
Autor: Manuel Amaro Mendonça
Prefácio de Isidro Sousa
O meu bom amigo Manuel Amaro Mendonça que me desculpe, mas não resisto a partilhar com vocês o Prefácio que redigi para o seu segundo livro, «Lágrimas no Rio», recentemente publicado pela Amazon. Escrevi este texto num momento em que não estava nada bem física e psicologicamente (o Manel sabe disso); li o livro, escrevi e enviei o texto em menos de 24 horas... algo que não me agrada, pois gosto de amadurecer as ideias e as palavras que escrevo, deixando passar alguns dias sem olhar para os textos e voltar a pegar neles mais tarde, com a cabeça mais «fresca», para reformular, detectar e corrigir imperfeições... por isso mesmo, este texto apresenta ideias repetidas em vários parágrafos que gostaria de ter reformulado melhor...foi o factor «tempo» que não permitiu essa melhoria. Não obstante o meu perfeccionismo (ou a falta dele), conhecidas que são as minhas minúcias, o Manuel está «farto» de agradecer e elogiar este Prefácio... o que me serve de consolo; o ego também agradece. Ao menos isso! Ele gostou. E outras pessoas que já leram também gostaram (Suzete Fraga e Guadalupe Navarro, por exemplo). Espero que este trecho «à laia de Prefácio», como refiro no mesmo, elucide sobre a obra em questão e desperte o interesse pelo livro. Para mim, confesso: não obstante o meu estado de espírito naqueles dias, foi uma honra escrevê-lo. O primeiro Prefácio que redigi para uma obra individual de outro autor. Sim, é uma estreia nestas andanças prefaciais...
wink emoticon
E deixo-lhes, agora, o Prefácio na íntegra. Qualquer comentário que tenham a gentileza de fazer, será muito apreciado. Críticas negativas também, desde que sejam construtivas. Eu agradeço. E o Manuel Amaro Mendonça também. Boa leitura!
***
LÁGRIMAS NO RIO
PREFÁCIO
Conheci a
escrita de Manuel Amaro Mendonça durante um concurso literário, no qual ambos
participámos na condição de autores concorrentes. Dentre os imensos trechos submetidos,
o dele despertou-me a atenção... quer pela simplicidade, sensibilidade e
intensidade, quer pela boa estrutura narrativa e o modo inteligente como explorava
o mote do certame. Um laço de amizade estreitava-se entre nós, na mesma época em
que ele, arregaçando as mangas e recorrendo aos meios porventura mais
acessíveis que encontrara disponíveis, num universo tantas vezes inacessível ou
menos transparente como é o editorial, decidiu publicar o seu primeiro livro:
«Terras de Xisto e Outras Histórias». Em paralelo, enquanto promovia a obra
inaugural e sem se deixar deslumbrar pelo seu feito, mantinha participações,
com a humildade que o caracteriza, noutros projectos similares. Foi igualmente
por essa altura, aquando do lançamento de «Terras de Xisto», que eu passei a
organizar antologias literárias, para as quais tive o grato prazer de
seleccionar contos assinados por este autor.
Congratulei-me
com o privilégio de conhecer bastante melhor as suas criações literárias. Fi-lo
com um olhar muito mais atento, já que enquanto lia também avaliava, porque
visava seleccionar bons textos para incluir nas minhas obras colectivas. E as pequenas
narrativas de Manuel Amaro Mendonça que chegavam às minhas mãos surpreendiam
sempre pela positiva. Não só surpreenderam os meus olhos ávidos como deslumbraram
outros profissionais do ramo editorial, ao ponto de ele ter sido distinguido,
em finais do ano transacto, com uma brilhante classificação num concurso
literário e, mais recentemente, em Fevereiro deste ano, ter vencido outro
certame similar. O que veio confirmar, sem sombra de dúvida, o real talento
deste autor. Um autor esforçado e dedicado, que se preocupa em trocar opiniões
e ouvir o que outros parceiros das letras têm para lhe transmitir, recebe
críticas com humildade e não se acomoda à sombra da bananeira; porque está
ciente de que o caminho a percorrer é longo e a evolução do processo narrativo
raramente esgotará – essa evolução só finaliza quando se atinge a perfeição, ou
a maturidade absoluta, e perfeitos dificilmente seremos! Por todas estas razões
e mais algumas, aceitei, com uma satisfação ainda maior, redigir estas linhas à
laia de prefácio, para serem incluídas no segundo livro de Manuel Amaro
Mendonça.
Embora lesse o
manuscrito de «Lágrimas no Rio» com o pensamento focado no prefácio,
deliciei-me com a leitura. E não tenho dúvidas de que esta nova obra de Manuel
Amaro Mendonça irá deliciar todos os leitores que apreciam uma boa narração
dramática. Sim, uma narrativa dramática. Porque estamos perante um drama que
atinge toda uma população rural, algures numa aldeia transmontana, durante a quadra
natalícia do longínquo ano de 1830.
Um facto bastante
peculiar: esta novela, que apresenta um toque ligeiramente camiliano e se
desenrola numa aldeia remota dos confins de um Portugal de séculos passados,
situada nas margens do Rio Douro, principia e finaliza os seus capítulos com eventos
funerários. No primeiro capítulo, lê-se: «O cheiro a incenso, cera e fumo
bateu-lhe forte, junto com o bafo quente das braseiras e o som monocórdico de
um interminável rosário. As dezenas de candelabros espalhados pela nave do
templo tremeluziam com as velas amarelas escorrendo cera. Todos os bancos
estavam cheios e havia muitas pessoas em pé, encostadas às paredes. Alguns
olharam-nos com curiosidade. No centro, bem em frente ao altar, um caixão de
madeira crua continha o corpo amortalhado de um homem com fartas barbas». Uma
descrição magistral dessas mesmas ambiências iniciando a narrativa, outra
singularidade que destaco nesta obra antes de prosseguir: as descrições
pormenorizadas de ambientes, diálogos e personagens, verdadeiramente
cinematográficas, que mergulham o leitor de corpo e alma na trama,
transportando-o para universos nos quais predominam ruralidades e realidades de
um Portugal menos conhecido, mescladas com imagens magnificentes de paisagens
transmontanas, das suas aldeias remotas e das gentes simples e humildes que as
povoam. Tudo isto sem olvidar referências às invasões napoleónicas, um período
conturbado da História de Portugal, ocorridas anos atrás («Andou pelas fraldas
do Marão atrás dos franceses com as milícias do Silveira. Combateu na defesa de
Amarante e dizem que matou muitos jacobinos.»), ou mesmo os linguajares daquele
povo simplório, «‘Inda “hás des” ficar “arrepesa” e depois vai ser tarde»,
verdadeiro bálsamo que nos conduz às entranhas do Portugal profundo.
Entre um e outro
desses funestos eventos, uma sucessão de inusitados acontecimentos. De acordo com
as palavras do autor, o protagonista, Avelino Montenegro, filho do proprietário
mais abastado de São Cristóvão do Covelo, regressou do Porto, onde estudava as
“ciências necessárias para gerir o património da família”, à sua aldeia natal, cumprindo
ordens paternas que zelavam pela sua segurança, já que terão chegado aos
ouvidos do patriarca rumores de uma iminente guerra civil, entre Dom Pedro e
Dom Miguel, pelo trono de Portugal. O jovem fidalgo, habituado à agitação
boémia da cidade portuense, na qual sopravam os ventos do liberalismo, mostra-se
enfastiado com a vida pacata da aldeia, porém, os lindos olhos azuis de uma
camponesa que trabalha como lavadeira fazem-no repensar as suas alternativas.
«Ele aproveitava as visitas para trocar umas palavras com Conceição e deixar-se
perder pelos seus belos olhos azuis... no “escano” da cozinha, à lareira,
debaixo do olhar atento da mãe», «O rapaz anda embeiçado pela Ceição do
falecido Varejão», «– E agora, o menino também anda por aí nas bocas do povo. –
Eu?!? – Sim, pois, essa Maria dos Anjos vive mesmo ao lado da Ana e da
Conceição. E não passa um dia que as visitas do menino a casa do Varejão não
sejam para aí “badaladas” por essa víbora», «Ora porque ia levar o dinheiro
prometido pelo pai, ora porque ia saber se precisavam de alguma coisa, outras
vezes “só porque ia a passar”, nunca um Montenegro tantas vezes calcorreara
aquela parte da aldeia» e, por último, «Mantiveram-se calados olhando as botas impecavelmente
engraxadas de Avelino darem passos simultâneos com as gastas e enlameadas socas
de madeira da jovem». O autor, na sua divulgação, acrescenta: e trazem-lhe
dissabores! Ao jovem fidalgo, pois claro.
De facto, estes
excertos transmitem: Avelino perde-se de amores pela bela Conceição, que nutre
por ele uma paixão desde a infância, e não tarda a andar «por aí nas bocas do
povo». Não obstante, à medida que nos afundamos na leitura, vislumbramos magníficas
imagens visuais deste protagonista sensível aos problemas dos varejadores, que
«varejam as oliveiras carregadas de água» naqueles montes longínquos que tinham
o imponente Marão no limite do horizonte, excelentes descrições da região
transmontana banhada por fortes temporais, em que os pobres trabalhadores
rurais se dedicam a recolher a azeitona para a produção de azeite agasalhados por
intempéries torrenciais. Belas imagens de paisagens agrestes de um Portugal profundo,
do ambiente aldeão e das frequentes reuniões na taberna de Covelo, onde se desenrola
boa parte da acção. E a riqueza do vocabulário? Perfeitamente adaptada à época
e ao povo que habita uma aldeia remota cheia de vida.
No entanto, deixo
o alerta: desengane-se o leitor que acredita encontrar neste livro uma aventura
romântica, ou um daqueles dramalhões povoados de amores contrariados que fazem
chorar as pedras da calçada, como acontece frequentemente nas novelas
camilianas. Claro que o leitor conhecerá o amor que brota nos corações sensíveis
do fidalgo e da lavadeira, um sentimento genuíno que beneficia da forte
oposição da orgulhosa e preconceituosa matriarca dos Montenegro. Mas adianto já
o triunfo desse amor sobre quaisquer preconceitos. Não é intenção do autor
destacar simplesmente uma estória de amores e desamores nesta obra. Isso seria
muito redutor! Mais importante do que a trama amorosa é a sucessão de estranhos
incidentes que envolve não só as vidas dos protagonistas, mas de toda uma comunidade.
Situações dramáticas que despoletam com o que parece ser um simples terramoto, que
aparentemente apenas assusta com o tilintar de loiças e abanar de paredes, mas
que se revelará mais catastrófico do que meramente assustador. E revelar-se-ão,
na sua origem, causas bem mais tenebrosas do que uma simples manifestação da força
da Natureza. Já que, em determinado momento da trama, entre a preocupação de
socorrer feridos e dar sepultura aos mortos, descortinar-se-á um segredo nefasto
com contornos diabólicos, algo sinistro que se manifesta quando vislumbra a luz
do dia, envolvendo a família Montenegro em particular e trazendo consequências
devastadoras para a população em geral. E de repente, quando o amor entre o
fidalgo e a camponesa parece encaminhar-se para o enlace esperado, eis-nos perante
uma luta titânica do Bem contra o Mal...
Podia levantar
mais o véu sobre a teia tecida e bem urdida por Manuel Amaro Mendonça neste
«Lágrimas no Rio», que, de facto, faz jus ao título, todavia, prefiro reservar
as surpresas e respectivo desfecho para a vossa leitura. A leitura de uma
ruralidade profundamente marcada pelas agruras do tempo e da vida, presentes da
primeira à última linha, cujos eventos funestos e fenómenos inusitados farão,
naquela aldeia das margens do Douro, verter muitas lágrimas no rio. Uma leitura
que (estou convicto disso) será deveras prazenteira!
Isidro
Sousa
Lisboa, 16 de Abril de 2016
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