03 julho, 2017

SEXTA-FEIRA 13 - PREFÁCIO



PREFÁCIO


Compreendem-se, há muito tempo, certos dias como sendo impregnados de algum tipo de infortúnio ou má sorte. O encontro da sexta-feira com o dia 13 é repleto de lendas e crendices que deixam os mais supersticiosos de cabelos em pé. Sexta-feira 13 não é um dia propriamente admirado; só nos EUA, estima-se que entre 17 e 21 milhões de pessoas o temem ao ponto de isso ser classificado, oficialmente, como fobia. Associa-se tanto a sexta-feira quanto (separadamente) o número 13 ao azar. O que faz, então, a sexta-feira 13 ser considerada um dia do mal?
Muitos acreditam que as conotações obscuras da sexta-feira nascem no Cristianismo. A tradição cristã assume que Jesus Cristo foi crucificado numa sexta-feira, estudiosos da Bíblia crêem que Eva ofereceu a maçã do pecado a Adão ao sexto dia da semana, Caim terá morto Abel numa sexta-feira e o Templo de Salomão terá sido destruído também nesse dia. Outros defendem que a má fama da sexta-feira antecede o Cristianismo, já que a palavra Friday, em inglês, foi escolhida em homenagem a Frigga, deusa nórdica do amor, da beleza, da sabedoria e da fertilidade. Acredita-se que povos teutónicos consideravam a sexta-feira azarenta para casamentos, em parte devido à bela deusa que dá nome ao dia da semana.
Por sua vez, em redor do número 13 existem sombras e desconfianças enraizadas em várias culturas e diversas possibilidades para explicar a sua origem, sendo a mais popular também decorrente do Cristianismo. É considerado de extrema má sorte ter 13 pessoas sentadas a uma mesa para jantar, porque Judas, o traidor, era a 13ª pessoa na Última Ceia, e o capítulo 13 do Apocalipse assume que o número da Besta é o 666. A Cabala, um ramo do esoterismo com ligações ao Judaísmo, enumera 13 espíritos malignos e os hindus acreditam, de igual modo, não ser bom reunir 13 pessoas para qualquer finalidade. No Norte da Europa, os vikings dos tempos antigos contam algo similar. Segundo a mitologia nórdica, doze deuses festejavam no salão de banquetes no Valhala quando Loki, deus da discórdia, apareceu sem ter sido convidado (algumas escrituras referem-no como o 13º convidado) e fez que Hod matasse o bom Balder com uma lança de visco, deixando todos em luto. Este é outro exemplo que demonstra não ser boa ideia reunir 13 pessoas para jantar...
O que fez religiões distintas adoptarem uma tradição tão semelhante de demonizar o número 13? Há quem defenda que este número foi denegrido, de propósito, pelos fundadores das religiões patriarcais, para erradicar a influência de Frigga. Em culturas que adoravam deusas, era muitas vezes reverenciado, pois representava o número de ciclos lunares e menstruais que ocorrem anualmente. Os defensores desta teoria acreditam que tornou-se um número suspeito à medida que o calendário solar de doze meses suplantava o calendário lunar de treze meses.
Porém, nem todas as civilizações do mundo antigo temiam o 13. Para os egípcios, por exemplo, a vida era uma jornada espiritual que se desdobrava em etapas; eles acreditavam que doze desses estágios ocorrem nesta vida, enquanto o décimo terceiro é uma ascensão transformadora e feliz para uma gloriosa vida eterna após a morte. Portanto, o número 13 representava a morte para os egípcios, mas não a decadência e o medo.
Sem dúvida que este número está associado a uma série de lendas, mitos, curiosidades e superstições, e se conjugado com o dia de azar da semana (sexta-feira) tem-se, pela tradição, o mais desditoso dos dias. Mas onde está a origem do azar supremo que é juntar a sexta-feira ao número 13? Quando se uniram como um símbolo de má sorte para aterrorizar as massas? Há quem aponte para o último dia do reinado de Haroldo II da Inglaterra (sexta-feira, 13 de Outubro de 1066), em que Guilherme II da Normandia lhe deu a oportunidade de renunciar à coroa; como ele recusou, no dia seguinte tomou-a à força, na Batalha de Hastings, causando a morte de Haroldo. Esta é uma ideia moderna para explicar a origem do mito, sem base em qualquer história documentada. Mas outra versão, um evento de má memória relacionado com a prisão dos Templários, parece reunir maior consenso. No dia 13 de Outubro de 1307, o rei Filipe IV de França declarou ilegal a Ordem dos Cavaleiros Templários e executou alguns dos seus membros, que conheceram, desse modo, um fim sangrento após terem protegido o Reino de Jerusalém durante 189 anos.
Dois séculos antes... tempos difíceis para os cristãos! Quem ia a Jerusalém, para rezar no berço do Cristianismo, era atacado pelos muçulmanos. Os cristãos careciam de protecção e um fidalgo francês decidiu criar, em 1118, uma organização de “anjos da guarda” para os peregrinos; Hugo de Payens juntou-se a oito cavaleiros e, com o aval do rei Balduíno II de Jerusalém, fez nascer a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, que ganhou isenções e privilégios, dentre os quais o direito de o seu líder se comunicar directamente com o Papa. A Ordem tornou-se uma das favoritas da caridade em toda a Cristandade e cresceu rapidamente, tanto em membros quanto em poder. Os seus membros, conhecidos por Cavaleiros Templários, estavam entre as mais qualificadas unidades de combate nas Cruzadas e os membros não-combatentes geriam uma vasta infraestrutura económica, inovando em técnicas financeiras que constituíam o embrião de um sistema bancário e erguendo imensas fortificações por toda a Europa e na Terra Santa.
Quem entrava na Ordem dos Templários fazia um voto de pobreza e castidade, entregando todos os seus bens à organização, que conquistou, durante dois séculos, um poder financeiro imensurável. Os Cavaleiros Templários eram vistos com grande prestígio na Europa, ganharam cada vez mais fiéis e a sua filosofia tinha de ser digna dos princípios cristãos. Mas um monarca francês, Filipe IV, O Belo, viu pouca pureza debaixo dos fatos brancos com a cruz de Cristo vermelha ao peito e armou-lhes uma cilada numa madrugada de Outubro de 1307. Era sexta-feira, dia 13.
Filipe IV não gostava do poder que os Templários acumularam. A magnificência deles era tal que só o Papa, na época Clemente V, poderia ter mão sobre a Ordem. Por isso, tentou convencê-lo a acusar os Cavaleiros de crimes de heresia, mas a aliança do Papa com os Templários era útil para manter uma presença militar bem vincada na Palestina. Então, o rei planeou acusá-los de terem relações homossexuais entre si, o que era deveras humilhante no século XIV. Os motivos não eram verdadeiros nem tinham qualquer fundamento, mas a perseguição impunha-se por razões económicas: o rei necessitava da fortuna dos Templários. A Ordem era demasiado abastada para continuar a ser agiota da coroa francesa e de outras nações europeias e Filipe IV sabia que, com o poder e prestígio que os Cavaleiros haviam conquistado, só a morte os arruinaria.
Convencer Clemente V a colaborar na perseguição não foi fácil pois ele precisava do apoio militar dos Templários na Palestina. E quando o grão-mestre Jacques de Molay chumbou o projecto para fundir todas as ordens militares, de modo a que ficassem sob o poder de um rei, o Papa não viu motivos para aliar-se a Filipe IV. Mas não foi capaz de travar o plano do monarca porque os boatos sobre os Templários começavam já a denegrir a imagem da própria Igreja; se continuasse a defender a Ordem, o bom nome da Igreja Católica seria, também, arrastado pela lama.
A gota de água, para o soberano, foi quando Jacques de Molay, último grão-mestre da Ordem dos Templários, solicitou ao Papa que averiguasse a razão dos boatos sobre os Templários e pediu um documento oficial que lhes pusesse termo. Clemente V acedeu, porém, informou o rei. Este bateu punho e enviou uma carta a todo o reino com instruções para que só fosse aberta na noite de 12 de Outubro.
Na noite marcada, Jacques de Molay e a maior parte dos Templários foram capturados. Não houve oposição: estavam só, em França, os soldados mais velhos. Na madrugada seguinte, Filipe IV emitiu um comunicado no qual sugeria que o Papa concordava com a morte dos Templários. Enfurecido, o Papa enviou dois cardeais para repreender o rei e os cardeais regressaram com um negócio nas mãos: a Igreja ficava com uma parte dos bens dos Templários já confiscados pela Inquisição, mas o rei podia escolher o modo de os julgar. Decidiu condená-los de acordo com o direito canónico, o mais pesado. E, nas mãos do Papa Clemente V, eles foram acusados de sacrilégio à cruz, heresia, sodomia e adoração a ídolos pagãos. A Inquisição, recorrendo a torturas cruéis, obteve as confissões que desejava. Durante a leitura das sentenças em Notre-Dame, condenaram alguns a prisão perpétua; os outros seriam queimados pelo fogo.
Todavia, o grão-mestre, antes de ser atirado à fogueira, lançou uma maldição sobre Filipe IV e Clemente V. «Deus sabe que nos condenaram ao umbral da morte com grande injustiça. Não tardará a vir uma enorme calamidade para aqueles que nos condenaram sem respeitar a justiça autêntica. Deus vai responsabilizar-se pelas represálias da nossa morte. Vou perecer com essa garantia», foram as últimas palavras proferidas por Jacques de Molay. E, de facto, concretizaram-se; um ano volvido, o rei morreu com um derrame cerebral e, pouco depois, o Papa também sucumbiu. O povo levou a sério a ameaça de Molay, que ecoou por todo o reino, e, desde então, qualquer sexta-feira 13 passou a ser vista com receio: o azar, nesse dia, podia bater à porta de qualquer um.
Embora o medo se espalhasse pelo mundo, a sexta-feira e o número 13 só ganharam verdadeira fama de azarados em meados do século XIX, quando os dois se terão unido como sendo o pior dia de azar. Esse medo foi ainda mais instigado já no século XX, com o lançamento do livro “Sexta-feira 13” por Nathaniel Lachenmeyer, que argumenta que a sexta-feira é um dia pouco afortunado e o número 13 está cheio de fantasmas.
Há outras versões acerca das origens da sexta-feira 13 e é difícil deslindar qual é a correcta; o que se sabe ao certo é que este dia está relacionado com maldições e assombrações. E é justamente em torno dele que se debruçam os textos literários incluídos nesta antologia. Que contêm estórias verdadeiramente assombrosas, recheadas de mitos e superstições, ambientadas numa sexta-feira 13, tendo sido redigidas por 32 autores lusófonos. E que vão proporcionar, seguramente, boas leituras.

Isidro Sousa




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