PREFÁCIO
Compreendem-se,
há muito tempo, certos dias como sendo impregnados de algum tipo de infortúnio
ou má sorte. O encontro da sexta-feira com o dia 13 é repleto de lendas e
crendices que deixam os mais supersticiosos de cabelos em pé. Sexta-feira 13
não é um dia propriamente admirado; só nos EUA, estima-se que entre 17 e 21
milhões de pessoas o temem ao ponto de isso ser classificado, oficialmente,
como fobia. Associa-se tanto a sexta-feira quanto (separadamente) o
número 13 ao azar. O
que faz, então, a sexta-feira 13 ser considerada um dia do mal?
Muitos acreditam que as conotações obscuras da
sexta-feira nascem no Cristianismo. A tradição cristã assume que Jesus Cristo
foi crucificado numa sexta-feira, estudiosos da Bíblia crêem que Eva ofereceu a
maçã do pecado a Adão ao sexto dia da semana, Caim terá morto Abel numa
sexta-feira e o Templo de Salomão terá sido destruído também nesse dia. Outros defendem
que a má fama da sexta-feira antecede o Cristianismo, já que a palavra Friday, em inglês, foi escolhida em
homenagem a Frigga, deusa nórdica do amor, da beleza, da sabedoria e da fertilidade.
Acredita-se que povos teutónicos consideravam a sexta-feira azarenta para casamentos,
em parte devido à bela deusa que dá nome ao dia da semana.
Por sua vez, em redor do número 13 existem sombras
e desconfianças enraizadas em várias culturas e diversas possibilidades para
explicar a sua origem, sendo a mais popular também decorrente do Cristianismo.
É considerado de extrema má sorte ter 13 pessoas sentadas a uma mesa para
jantar, porque Judas, o traidor, era a 13ª pessoa na Última Ceia, e o capítulo
13 do Apocalipse assume que o número da Besta é o 666. A Cabala, um ramo do
esoterismo com ligações ao Judaísmo, enumera 13 espíritos malignos e os hindus
acreditam, de igual modo, não ser bom reunir 13 pessoas para qualquer
finalidade. No Norte da Europa, os vikings dos tempos antigos contam algo similar.
Segundo a mitologia nórdica, doze deuses festejavam no salão de banquetes no
Valhala quando Loki, deus da discórdia, apareceu sem ter sido convidado (algumas
escrituras referem-no como o 13º convidado) e fez que Hod matasse o bom Balder
com uma lança de visco, deixando todos em luto. Este é outro exemplo que demonstra
não ser boa ideia reunir 13 pessoas para jantar...
O que fez religiões distintas adoptarem uma
tradição tão semelhante de demonizar o número 13? Há quem defenda que este número
foi denegrido, de propósito, pelos fundadores das religiões patriarcais, para
erradicar a influência de Frigga. Em culturas que adoravam deusas, era muitas
vezes reverenciado, pois representava o número de ciclos lunares e menstruais
que ocorrem anualmente. Os defensores desta teoria acreditam que tornou-se um
número suspeito à medida que o calendário solar de doze meses suplantava o
calendário lunar de treze meses.
Porém, nem todas as civilizações do mundo
antigo temiam o 13. Para os egípcios, por exemplo, a vida era uma jornada
espiritual que se desdobrava em etapas; eles acreditavam que doze desses
estágios ocorrem nesta vida, enquanto o décimo terceiro é uma ascensão
transformadora e feliz para uma gloriosa vida eterna após a morte. Portanto, o número
13 representava a morte para os egípcios, mas não a decadência e o medo.
Sem dúvida que este número está associado a
uma série de lendas, mitos, curiosidades e superstições, e se conjugado com o
dia de azar da semana (sexta-feira) tem-se, pela tradição, o mais desditoso dos
dias. Mas onde está a origem do azar supremo que é juntar a sexta-feira ao
número 13? Quando se uniram como um símbolo de má sorte para aterrorizar as
massas? Há quem aponte para o último dia do reinado de Haroldo II da Inglaterra
(sexta-feira, 13 de Outubro de 1066), em que Guilherme II da Normandia lhe deu
a oportunidade de renunciar à coroa; como ele recusou, no dia seguinte tomou-a
à força, na Batalha de Hastings, causando a morte de Haroldo. Esta é uma ideia
moderna para explicar a origem do mito, sem base em qualquer história
documentada. Mas outra versão, um evento de má memória relacionado com a prisão
dos Templários, parece reunir maior consenso. No dia 13 de Outubro de 1307, o
rei Filipe IV de França declarou ilegal a Ordem dos Cavaleiros Templários e
executou alguns dos seus membros, que conheceram, desse modo, um fim sangrento
após terem protegido o Reino de Jerusalém durante 189 anos.
Dois séculos antes... tempos difíceis para os
cristãos! Quem ia a Jerusalém, para rezar no berço do Cristianismo, era atacado
pelos muçulmanos. Os cristãos careciam de protecção e um fidalgo francês
decidiu criar, em 1118, uma organização de “anjos da guarda” para os peregrinos;
Hugo de Payens juntou-se a oito cavaleiros e, com o aval do rei Balduíno II de
Jerusalém, fez nascer a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de
Salomão, que ganhou isenções e privilégios, dentre os quais o direito de o seu
líder se comunicar directamente com o Papa. A Ordem tornou-se uma das favoritas
da caridade em toda a Cristandade e cresceu rapidamente, tanto em membros
quanto em poder. Os seus membros, conhecidos por Cavaleiros Templários, estavam
entre as mais qualificadas unidades de combate nas Cruzadas e os membros não-combatentes
geriam uma vasta infraestrutura económica, inovando em técnicas financeiras que
constituíam o embrião de um sistema bancário e erguendo imensas fortificações
por toda a Europa e na Terra Santa.
Quem entrava na Ordem dos Templários fazia um
voto de pobreza e castidade, entregando todos os seus bens à organização, que conquistou,
durante dois séculos, um poder financeiro imensurável. Os Cavaleiros Templários
eram vistos com grande prestígio na Europa, ganharam cada vez mais fiéis e a
sua filosofia tinha de ser digna dos princípios cristãos. Mas um monarca
francês, Filipe IV, O Belo, viu pouca pureza debaixo dos fatos brancos com a
cruz de Cristo vermelha ao peito e armou-lhes uma cilada numa madrugada de
Outubro de 1307. Era sexta-feira, dia 13.
Filipe IV não gostava do poder que os
Templários acumularam. A magnificência deles era tal que só o Papa, na época
Clemente V, poderia ter mão sobre a Ordem. Por isso, tentou convencê-lo a
acusar os Cavaleiros de crimes de heresia, mas a aliança do Papa com os
Templários era útil para manter uma presença militar bem vincada na Palestina. Então,
o rei planeou acusá-los de terem relações homossexuais entre si, o que era deveras
humilhante no século XIV. Os motivos não eram verdadeiros nem tinham qualquer fundamento,
mas a perseguição impunha-se por razões económicas: o rei necessitava da fortuna
dos Templários. A Ordem era demasiado abastada para continuar a ser agiota da
coroa francesa e de outras nações europeias e Filipe IV sabia que, com o poder
e prestígio que os Cavaleiros haviam conquistado, só a morte os arruinaria.
Convencer Clemente V a colaborar na
perseguição não foi fácil pois ele precisava do apoio militar dos Templários na
Palestina. E quando o grão-mestre Jacques de Molay chumbou o projecto para
fundir todas as ordens militares, de modo a que ficassem sob o poder de um rei,
o Papa não viu motivos para aliar-se a Filipe IV. Mas não foi capaz de travar o
plano do monarca porque os boatos sobre os Templários começavam já a denegrir a
imagem da própria Igreja; se continuasse a defender a Ordem, o bom nome da
Igreja Católica seria, também, arrastado pela lama.
A gota de água, para o soberano, foi quando
Jacques de Molay, último grão-mestre da Ordem dos Templários, solicitou ao Papa
que averiguasse a razão dos boatos sobre os Templários e pediu um documento
oficial que lhes pusesse termo. Clemente V acedeu, porém, informou o rei. Este
bateu punho e enviou uma carta a todo o reino com instruções para que só fosse
aberta na noite de 12 de Outubro.
Na noite marcada, Jacques de Molay e a maior
parte dos Templários foram capturados. Não houve oposição: estavam só, em
França, os soldados mais velhos.
Na madrugada seguinte, Filipe IV emitiu um comunicado no qual sugeria
que o Papa concordava com a morte dos Templários. Enfurecido, o Papa enviou
dois cardeais para repreender o rei e os cardeais regressaram com um negócio nas
mãos: a Igreja ficava com uma parte dos bens dos Templários já confiscados pela
Inquisição, mas o rei podia escolher o modo de os julgar. Decidiu condená-los
de acordo com o direito canónico, o mais pesado. E, nas mãos do Papa Clemente
V, eles foram acusados de sacrilégio à cruz, heresia, sodomia e adoração a
ídolos pagãos. A Inquisição, recorrendo a torturas cruéis, obteve as confissões
que desejava. Durante a leitura das sentenças em Notre-Dame, condenaram alguns a
prisão perpétua; os outros seriam queimados pelo fogo.
Todavia, o grão-mestre, antes de ser atirado
à fogueira, lançou uma maldição sobre Filipe IV e Clemente V. «Deus sabe que
nos condenaram ao umbral da morte com grande injustiça. Não tardará a vir uma
enorme calamidade para aqueles que nos condenaram sem respeitar a justiça
autêntica. Deus vai responsabilizar-se pelas represálias da nossa morte. Vou
perecer com essa garantia», foram as últimas palavras proferidas por Jacques de
Molay. E, de facto, concretizaram-se; um ano volvido, o rei morreu com um
derrame cerebral e, pouco depois, o Papa também sucumbiu. O povo levou a sério
a ameaça de Molay, que ecoou por todo o reino, e, desde então, qualquer
sexta-feira 13 passou a ser vista com receio: o azar, nesse dia, podia bater à
porta de qualquer um.
Embora o medo se espalhasse pelo mundo, a
sexta-feira e o número 13 só ganharam verdadeira fama de azarados em meados do
século XIX, quando os dois se terão unido como sendo o pior dia de azar. Esse
medo foi ainda mais instigado já no século XX, com o lançamento do livro
“Sexta-feira 13” por Nathaniel Lachenmeyer, que argumenta que a sexta-feira é
um dia pouco afortunado e o número 13 está cheio de fantasmas.
Há outras versões acerca das origens da
sexta-feira 13 e é difícil deslindar qual é a correcta; o que se sabe ao certo é
que este dia está relacionado com maldições e assombrações. E é justamente em
torno dele que se debruçam os textos literários incluídos nesta antologia. Que
contêm estórias verdadeiramente assombrosas, recheadas de mitos e superstições,
ambientadas numa sexta-feira 13, tendo sido redigidas por 32 autores lusófonos.
E que vão proporcionar, seguramente, boas leituras.
Isidro Sousa
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