O PRANTO DO CISNE
Aventuras de Um Fotógrafo Desinibido
PREFÁCIO
Antes de
começar a prefaciar esta obra, tenho de dizer que fiquei muito surpresa ao
receber este convite do colega das letras e amigo Isidro Sousa. Tudo porque o
acho fantástico como ser humano, como autor, como coordenador e organizador de
Antologias e Projectos e como divulgador de toda a Lusofonia (e isso tem
demonstrado com louvor, através da colecção que criou, a Sui Generis, onde em parceria
com a Chancela EuEdito publicou, publica e publicará diversas Antologias com
temáticas variadas: desde textos e poesias sobrenaturais, religiosas e
campesinas à prosa e poesia erótica).
Falámos ao
telefone. Ele explicou-me a história e o seu enredo no geral para que a pudesse
ler e depois prefaciar. Compreendi mais ou menos, mas de pronto fiquei excitada
e entusiasmada para ler a obra intitulada por “O PRANTO DO CISNE”, um nome
poético, significativo e enigmático que poderia ser uma história romântica,
clássica e dramática. Não, mas não é apenas isso! E paradoxalmente é tudo isso
também, só que não é nem um contozinho
erótico de fadas com o qual a sociedade e alguma parte da “maltinha” da escrita
e leitura erótica actual estão acostumados a escrever ou a ler. Os textos desta
obra são contos muito realistas e sem o menor pudor de o ser. São fictícios,
mas roçam a realidade de uma forma tão pavorosa, provocadora, lasciva e
frenética, tal qual como o sexo de Valero, personagem principal do livro, roçou
o seu sexo e o seu coração desesperado e quente nos mais variados encontros e
desencontros casuais e descasuais que tivera na sua vida e numa trama narrada
arduamente por Isidro Sousa com maestria e absoluta licença de dizer na
íntegra, e sem proibição, o que se quer e tem para se dizer através de palavras
recheadas de ricos cenários, cheiros, sons, temperamentos, cores e espaços
específicos magnetizados por uma energia sugadora.
Sim! É uma
obra em que nalgumas partes são retratadas as vidas atípicas e comezinhas
invulgares da sociedade portuguesa, escondidas em sarjetas e emergidas em
aparências falsificadas e relapsas da “real society”, das chamadas tias de
Cascais, do escândalo enrustido na promíscua cordialidade do mundo
futebolístico, jornalístico, da fotografia, da moda e do meio artístico em
geral. Das aparências nefastas estampadas nas revistas cor-de-rosa quando a
podridão é escondida por debaixo do tapete persa e da riqueza sublimada pela
bajulação à qual a personagem de Valero não se rende em nenhum momento. Valero
se rende pura e simplesmente apenas à sua busca incondicional de prazer sexual
com os homens que o vão atraindo como um modo de esquecer a tragédia familiar
que envolve o assassinato de seu pai cometido pela sua própria mãe: a fútil e
vingativa Natália que Valero acaba por descobrir ser casada com o jogador Tádzio Madjer, amante do seu
pai, Vanderlão, com o qual também pai e filho acabam por protagonizar um
bizarro triângulo amoroso.
Mas o que
Isidro Sousa traz com as suas palavras nuas, desvestidas de corpetes apertados
a fingir uma falsa cintura... O que o autor traz com as palavras ora nada
asseadinhas e nada higienizadas com sabão neutro ora perfumadas de amaciador
azul-neón estendidas no varal prontas para serem apanhadas e passadas a ferro
por uma boa Amélia do lar... O que o autor traz com as suas palavras fortes e
incontidas, “mundanas” e levianas, é uma verdade absoluta, e não obsoleta, de
que essas mesmas palavras que dizem por aí serem feias e sujas, e que para
muitos moralistas incondicionais não podem ser escritas e reveladas num livro
como este, por exemplo, que tem como finalidade contar fidedignamente o que
existe nesse mundão de Deus... é de que elas são faladas e vivenciadas todos os
dias e por muitas pessoas no quotidiano. Isidro Sousa não lava as palavras e,
quando o faz, ele lava a roupa suja com as mãos, sem máquina de lavar... e
deixa as roupas quararem ao Sol e dobra-as sem as passar para que as pessoas,
nós os leitores, as vistamos do mesmo jeito em que foram apanhadas e para que
as usemos da maneira que bem entendermos.
Os contos de
“O PRANTO DO CISNE” não são tons de cinza e nem de sombras. São cores vivas de
um amor que ficou na lembrança da maior desilusão de Valero: a de ter que
conviver e sobreviver para sempre sem este amor e paixão avassaladora que ele
sente pelo seu progenitor.
Na obra
encontrei palavras como Vernissages...
Palavras como esta que não estão mais na moda, das quais quase não se ouve
falar por aí, que nos levam a viajar pelo espelho do retrovisor de um carro
antigo. Além do mais, o vocabulário do autor é deveras criativo para descrever
uma simples transa de uma só noite ou de um só momento. São palavras encrustadas em situações e
encaixadas de uma forma que se pode sentir e ver como num filme todo o acto
sexual que está a acontecer no momento.
«Creio que mantinham
relações sexuais com bastante frequência sem tomarem precauções porque a
gravidez apanhou-os de chofre, levando-os ao casamento.» Um aperitivo para a
tesão que é ler todo o livro. O livro começa no mínimo com uma frase destas já
na primeira página.
Há o complexo de Édipo
totalmente exposto na obra. A admiração pelo pai e o rancor guardado pela mãe
que abandonara o lar e traíra o ser que ele mais amava, seu pai.
O nome diferente das (duas)
personagens Vanderlero demonstra a criatividade do autor. No início um nome
estranho e a partir do momento em que vamos nos familiarizando com a história e
com os “Vanderleros” o nome invulgar passa a ser comum e a soar mais normal.
As alcunhas parecem caracterizar
e representar a personalidade das personagens propositalmente ou por
intuitividade. Varderlão: o pai e sua virilidade. Vanderlito: o filho, “orfão”
e carente de amor, até chegar ao poético e erótico nome que o próprio herói da
trama se deu: Valero. Como se ele próprio se batizasse. Nome que soa como um
piano aos ouvidos.
A “lendária” estória do
apanhar o sabonete e a velha conversa de café entre os amigos machões que
troçam dos banhos em conjunto entre homens afinal sempre existiu e está na
“novela” de Isidro Sousa. Sim. Poder-se-á chamar este trabalho de uma novela de
Walcyr Carrasco não passada na TV aberta ou uma minissérie de Nelson Rodrigues,
e até uma película ao bom e velho estilo Almodovariano.
Apesar de o calão decorar
quase todos os diálogos entre as personagens, a história é narrada com
palavras... desde científicas até às mais emproadas, sem deixar de dar
realidade e inteligibilidade aos cinco contos que constroem toda a obra.
Há uma riqueza na descrição
que não faz cansar o leitor. Sente-se o clima do vapor e da água tépida a cair
no balneário, do frenesim que é o mundo do futebol, este mesmo mundo no qual o
fotógrafo Valero cresceu e tem em torno de si, das festas das celebridades e
todas as suas futilidades.
Uma mulher que leia este
livro pode ter a concreta certeza de como é ter um pénis entre as pernas e de
como é usá-lo de todas as formas. Eroticidade narrada com verdade e que
mergulha no realismo sujo da literatura com toda a cabeça sem deixar o corpo e
a alma de fora.
Isidro Sousa criou
personagens muito reais e humanas. Elas acreditam piamente no autor que é o
Deus delas. E este próprio autor surpreende-se com as suas criaturas e com o
desenrolar dos acontecimentos, porque – como todo o excelente autor – lhes dá o
livre arbítrio. É nesse âmbito que nunca, em circunstância alguma, dever-se-á
culpabilizar o Isidro pela depravação explícita e pornografia executada pelas
personagens da trama.
E nunca se culpa, também,
um autor por amar as personagens que criou e por as ter criado. Mesmo que estas
sejam assassinas sanguinárias, mesmo que cometam um incesto ou amem o seu filho
ou pai como cônjuges. Mesmo que estas personagens sejam invejosas farsantes ou
racistas... Mesmo que elas façam o diabo a quatro e deixem o Diabo ficar de
quatro! Pois que... culpabilizar o autor que as criou pelo erro que a criatura
comete, seria como culpar Deus por ter nos criado e mesmo assim nos amar com
todas as nossas escolhas erradas e falhanços. No momento em que Ele nos cria,
já não tem mais controle sobre nós e sobre as nossas vidas e decisões tomadas.
Assim é a escrita de Isidro Sousa, que se deixa levar pela trama e pelas
consequências causadas pelos intérpretes e por isso cada conto tem, de facto,
algo que nos prende e que nos é verdadeiramente sui generis, erótico e realista, nos presenteando com o cheiro da
pele humana no seu mais intrínseco suor, odor e asperidade.
Desse modo,
devo dizer que apesar de o autor Isidro Sousa ter me preparado e precavido de
que estas “AVENTURAS DE UM FOTÓGRAFO DESINIBIDO” têm um teor erótico pesado,
com “calões” e cenas de sexo totalmente explícitas, a obra apanhou-me de
surpresa. As cenas contadas com veracidade deixaram-me duas noites de olhos arregalados.
Assustaram-me a alma, empurrando-a para fora de mim, dando espaço ao meu corpo
para que esse pudesse se
emprestar a sensações do misterioso e cheio de mister Valero.
Posto isto, “O PRANTO DO CISNE” é uma obra que os leitores que a lerem no
comboio, no banco de uma praça ou ao ar livre perto de uma multidão, podem
correr o risco de se sentirem com receio ou vergonha e vão olhar para os lados
para terem a certeza de que não estão a ser observados e apanhados no delito
que cometem ao espiar as quatro paredes de um rapaz devasso que, ao fim e ao
cabo, só quer amar e ser amado e a Odisseia de prazer em que ele acaba
fulgurando é apenas a busca pela Epopeia de amor que almeja e que quer
climaxizar em sua vida.
Cá não há
eufemismos! O único eufemismo que se encontra na obra está no título. Valero
não é um cisne. É o patinho feio abandonado pela mãe, apesar de muito badalado
e de belo por fora. E o pranto desse Cisne é um Tsunami que não é vertido em
lágrimas. Ele as derrama simbolicamente através dos seus gozos, do prazer ao
qual ele se rende e deixa os outros renderem-se como forma de vingança para
livrar-se da própria dor que espezinha a sua alma de menino e o seu corpo de
homem. Valero capta através da lente dos seus olhos os homens interessantes que
vão aparecendo em sua vida como flashs, homens que foram fortemente marcados
por um relacionamento ou estão num relacionamento no presente, voltando assim à
posição inicial da reconstrução de um triângulo amoroso tal qual tivera e
vivera ao lado de seu pai no passado.
Por isso
tudo, resta-me dizer-vos, caros leitores, de que este não foi um prefácio.
Muito pelo contrário: foi um “predifício” tanto pela consideração que tenho
pelo trabalho metódico e cuidado que é genuíno do escrevente, quanto pela
pessoa a quem pertence a obra e por esta ser brilhante e fantástica na matéria
do erotismo e no campo das letras.
Bem-vindos à
leitura de uma viagem sexual sem moral nenhuma, mas que nos deixa uma moral
escondida no psicológico do apaixonante Valero, que é tocante e de suma
importância: não importa o quanto você sofre. Ninguém nunca se importará com a
sua dor e o seu sofrimento, a não ser que você transforme a sua dor em prazer e
lhes ofereça este prazer em troca.
Marcella Reis
Sintra, 20 de Setembro de 2016
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