A noite de Halloween festeja-se de 31 de
Outubro para 1 de Novembro e foi sempre combatida pela Igreja Católica por ser
comemorada na véspera do Dia de Todos os Santos. A sua origem remonta às
tradições dos antigos povos celtas que habitaram a Gália e as ilhas da
Grã-Bretanha entre os anos 600 a.C. e 800 d.C. e situavam o Ano Novo no dia 1
de Novembro, durante as festividades do Samhain, evento do calendário celta que
celebrava o fim do Verão e o início do Ano Novo e, além disso, tinha como
objectivo dar culto aos mortos, continuando a ser comemorado paralelamente às
práticas cristãs, em particular na Irlanda católica, Escócia, Gales, Cornualha
e noutras regiões de cultura céltica das Ilhas Britânicas.
A invasão das Ilhas Britânicas pelos
Romanos mesclou a cultura latina com a celta e, em finais do Século II, com a
evangelização desses territórios, a religião dos Celtas, chamada druidismo,
tinha desaparecido na maioria das comunidades. Pouco se sabe sobre essa
religião, mas sabe-se que o Festival do Samhain ocorria entre 30 de Outubro e 2
de Novembro, a meio caminho entre o equinócio de Verão e o solstício de
Inverno, e a “festa dos mortos” era uma das suas datas mais importantes, sendo
celebrada com rituais presididos pelos sacerdotes druidas que actuavam como
médiuns entre as pessoas e os seus antepassados. Dizia-se também que os
espíritos dos mortos voltavam nessa data para visitar os seus antigos lares e
guiar os seus familiares rumo ao outro mundo.
A relação da comemoração desta data com
as bruxas terá iniciado na Idade Média no seguimento das perseguições incitadas
por líderes católicos, sendo conduzidos julgamentos pela Inquisição (esta
perseguia os praticantes de rituais pagãos como os celtas), com o intuito de
condenar quem fosse considerado curandeiro ou pagão. O alvo de tal suspeita era
taxado de bruxo, ou bruxa, com elevado sentido negativo e pejorativo, devendo
ser julgado pelo Tribunal do Santo Ofício e, na maioria das vezes, queimado na
fogueira nos chamados autos-de-fé. Essa designação perpetuou-se e, no Século
XIX, esta comemoração de origem pagã foi levada por emigrantes irlandeses (povo
de etnia e cultura celta) até aos EUA, onde a tolerância religiosa era maior e
a continuidade de festejos pagãos como o Halloween – termo inglês, inicialmente
chamado de All Hallow’s Even (noite que antecede o dia de Todos os Santos) e
posteriormente reduzido para Halloween – não tinha barreiras culturais ou
qualquer constrangimento. E foi aí, nos EUA, que essa noite passou a ser conhecida
como a Noite das Bruxas.
Presentemente, a festa do Halloween
pouco tem a ver com as suas origens: só restou uma alusão aos mortos, mas com
um carácter distinto. Além disso, foi sendo incorporada uma série de elementos
estranhos às festas de Finados e de Todos os Santos. Na celebração actual
nota-se a presença de muitos desses elementos: abóboras em forma de caras
assustadoras (sem polpa e com velas acesas), bruxas a voarem por cima dos
alpendres das casas e crianças vestidas de formas bizarras a andarem de casa em
casa, à noite, a pedir doces, frutas ou prendas. As fantasias, enfeites e
outros itens usados neste evento estão repletos de bruxas, vampiros, gatos
pretos, fantasmas, esqueletos, espíritos, feiticeiros, espantalhos, múmias,
mortos-vivos e toda a espécie de monstros horríveis, com decorações de trevas e
de medo fora e dentro das casas, que às vezes chegam a ter conotações
verdadeiramente satânicas.
Hoje, o Halloween é universal. Na noite
gay de Lisboa é considerado um segundo Carnaval e começou a ser festejado no
Bar 106, um dos cantinhos mais acolhedores e acarinhados do Príncipe Real. De
acordo com José Soares, um dos seus três proprietários, «o 106 foi o primeiro
bar gay a fazer o Halloween, em 1992. Se alguém o fazia antes, não se falava.
Nos anos seguintes surgiram mais bares a festejá-lo porque é divertido, é mais
uma noite temática, é um Carnaval adicional ao que já existe. A ideia pegou e
agora todas as casas o fazem».
No entanto, ultimamente têm-se visto cada
vez menos participantes. Porquê? «O último Halloween correu bem mas, além de
nós e os colaboradores da casa, pouca gente se fantasiou», admite. «Às vezes,
uns simples riscos na cara, uns dentes ou um rosto pintado de vampiro fazem a
diferença, mas as pessoas, embora achem graça e se divirtam, não têm paciência,
já não aderem tanto. De ano para ano, parece haver uma desmotivação cada vez
maior». Um facto que também se verifica noutras festas temáticas. «Em Portugal,
as pessoas não gostam de aderir às festas temáticas», prossegue José Soares.
«Se lhes pedirmos para virem de vermelho, não vêm de vermelho. Na Lux, por
exemplo, todos os anos fazem a Festa da Saia e só entra quem tiver saia, e toda
a gente manda fazer saias ou vai comprá-las aos saldos... aderem! Na noite gay
não aderem, não percebo porquê.» E se fizerem o mesmo? Impor um dresscode
obrigatório, permitindo a entrada somente a quem tiver, pelo menos, uma peça de
vestuário de acordo com o espírito dessa festa? «Aí, talvez comecem a mudar de
atitude. Por outro lado, os clientes habituais podem não entender isso e levar
a mal...»
O Bar 106 abriu em 1990, em pleno
coração do Príncipe Real, numa época em que só havia bares estereotipados.
«Quisemos abrir um bar generalizado para que toda a gente se sentisse bem, e
não um espaço específico, só de prostitutos ou de pessoas mais velhas ou de
bigodes, bears, etc. Conseguimos mudar a ideia e o conceito de bares. A partir
daí, começaram a surgir os outros.»
Presentemente, organiza três noites
temáticas: Wacko Party às quartas-feiras (com descontos em bebidas e sorteios
de bilhetes para peças de teatro), Dice Party às quintas-feiras (com sorteios
de jantares em restaurantes) e a Festa da Mensagem aos domingos, sendo esta a
mais popular. «É a nossa melhor noite, uma noite muito divertida e em tempo
real. Os amigos encontram-se, divertem-se, escrevem mensagens uns aos outros, é
um ponto de encontro e uma maneira de as pessoas deixarem a Net e os canais de
Chat e virem para o real, olharem-se na cara e comunicarem», afirma José
Soares, frisando que, mais uma vez, o 106 foi o primeiro bar a organizar a
Festa da Mensagem na noite gay. «Começámos a fazê-la quatro vezes por ano,
passando-a depois a semanal.» Quanto ao seu êxito, «pode dever-se ao facto de
as pessoas estarem sozinhas e quererem conhecer outras, fazer amigos e não só.
Deixou-se de comunicar e na Festa da Mensagem volta-se a comunicar. Claro que
há coisas boas e coisas más. As desvantagens são os insultos, mas também há
poemas lindos, cartas de amor... muitas pessoas conheceram-se na Festa da
Mensagem, apaixonaram-se e continuam juntas há muitos anos! De facto, a
vantagem é conhecer pessoas, fazer amizades, encontrar alguém mais íntimo ou um
companheiro para a vida.»
Nos próximos tempos, o Bar 106 manterá estas
noites, festejará o 22º aniversário em Maio e planeia novos eventos. «Estamos a
estudar noites diferentes para trazer as pessoas de volta ao bar todos os dias.
Ao longo dos anos, sempre fizemos coisas diferentes e conseguimos marcar muitas
diferenças na comunidade gay. Já fizemos festas em conjunto com outros bares,
mas os outros não têm grande aderência. Não sei qual é o medo! A união faz a
força e se houver mais festas em conjunto será mais divertido e trará mais
gente ao Príncipe Real. Grande parte da camada nova que está a aparecer no
mundo gay não conhece os bares do Príncipe Real. A noite gay começou há 40 anos
no Príncipe Real, e continua a ser no Príncipe Real. Foi aqui que todos os
bares começaram, é aqui que estão as discotecas gay e é para o Bric, Trumps e
Finalmente que todos vão depois de irem a outros locais. Porque o Príncipe Real
é o bairro gay de Lisboa!», remata.
Bar 106 – Rua de São Marçal, nº 106 – Lisboa
Segunda-feira a Quinta-feira – aberto
das 21h00 às 02h00
Fins-de-semana e véspera de Feriados –
das 21h00 às 03h00
Texto de Isidro Sousa – Jornal PÚBICO nº
4 – Fevereiro 2012
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Publiquei esta reportagem
sobre as origens do Halloween (e um pouco sobre a história do Bar 106) na
última edição do jornal Púbico, complementada com uma foto-reportagem,
igualmente de minha autoria, realizada em diversos bares e discotecas de
Lisboa: Bar Três, Finalmente Club, Bric-a-Bar, Woof Lx Club, Bar 106, Luz
Nocturna e Woof X Lisbon. Devo referir que, destes bares que mencionei, o Luz
Nocturna já não existe (os gerentes do mesmo abriram, recentemente, o bar
Hércules, noutra rua do Príncipe Real) e o Bric-a-Bar, que existiu durante mais
de quatro décadas (desde 1969), deu lugar à discoteca Construction Club. Os outros bares e
discotecas continuam em pleno funcionamento. Quanto ao Bar 106, mantém a Festa
da Mensagem aos domingos – desde 2012, quando publiquei esta reportagem, muitas
coisas mudaram; o 106 comemorou já o seu 25º aniversário e apresenta, presentemente,
uma programação diferente, mais diversificada. No entanto, reina o mesmo
espírito de sempre. Vale a pena conhecer! Recomendação de Isidro Sousa.
Muito bem! Várias curiosidades que desconhecia. Muito interessante!
ResponderEliminarMuito bem! Várias curiosidades que desconhecia. Muito interessante. Parabéns!
ResponderEliminarO problema do halloween é que é uma pseudo-festa importada, sem raízes culturais nossas... ( abóboras, fantasmas, blá, blá ) é uma americanice. A nossa cultura aceita a bruxa, o gato preto... Etc. Mas num contexto diferente. ( veja-se o esconjuro do padre Fontes em Montalegre ) este é pseudo Hollywoodesco. Daí o insussesso que refere nos bares de Lisboa.
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