PREFÁCIO
“... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras
as que cantam, as que sobem e baixam... Prosterno-me diante delas... Amo-as,
uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As
inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente
caem...”
in Confesso
que Vivi, Pablo Neruda.
De que
matéria são feitos os sonhos?
A vida, felizmente, permite-nos surpresas, momentos
marcantes, pessoas inesquecíveis. Partilhas em cadeia, daquelas que não se
podem quebrar, em que pela correnteza só temos que somar, acrescentar, gerar
densidades, também em forma de afectos... porque não?
A professora Lucinda Maria não foi minha professora; não
fiz com ela uma viagem a um lugar único ou inesquecível; não fazemos parte de
uma tertúlia permanente, ordeira ou militante; não temos um percurso longo e
próximo de vidas cruzadas em comum.
Até sabemos muito pouco um do outro. Mas é importante
sabermos muito uns dos outros? Muito? Nos pormenores? Nos recantos e lugares
marcados das nossas vidas, quais cartas de marear ou mariolas amontoadas pela
serra da Estrela para guiar quem na montanha busca o sentido e o fazer da vida?
Não. A professora Lucinda Maria faz parte daquele troço
das nossas vidas, em que primeiro os personagens, depois as personalidades,
depois os hábitos, depois os vícios – tão humanos que são os vícios! – se revelam
através das luzes da vida cívica.
A luz da cidadania, essa condição tão humana, quando pela
cultura nos conseguimos elevar, rasgar horizontes, perceber o diferente e desigual,
aceitar o plural; absorvermos o mundo, as pessoas e criamos sociedade, geramos
diversidade e tolerância, e essa crença inquebrável no devir melhorado dessa
mesma condição humana.
Que combustível – fóssil – esse, o optimismo!
Há quem lhe chame utopia, qual forma prática e
consequente de organizar e dar forma e sentido aos sonhos.
Redescobri a professora Lucinda Maria precisamente na luz
da partilha cívica, na tentativa da construção de um guia para a felicidade e
para o bem-estar que a mais, muitos mais, esse caminho certo contemplasse.
Quis a cidadania, qual vício de dizer: – presente!, nos
apresentasse e nos colocasse a falar. E da fala viesse a partilha, e da
partilha se dissesse a sério matéria leve, trivial – como trivial é a vida – e
nada, nada truculenta entre quem se quer respeitar.
E dissemos de forma viva, livre e solta, coisas sérias
sobre a vida, os sonhos, os anseios, as angústias e os medos. E com certeza as
alegrias e o avatar das nossas personalidades. A de Lucinda Maria serenamente
autoconfiante, de radicular identidade, perscrutante, com os seus contornos de
“alma inquieta de nortada”.
De que matéria são feitos os sonhos?
Figuras de estilo à parte, claro que conhecia a
professora Lucinda Maria.
Tenho a certeza que até me cruzei com ela milhares – sim,
milhares – de vezes aí pelas ruas da nossa vila e, depois, da nossa cidade. E
aqui emerge a dimensão do tempo de convivência pelo silêncio e pelo olhar.
Por quantas pessoas passamos todos os dias, partilhamos
espaços, sem que gostos, sonhos, desejos, conscientemente se interceptem?
Bem questionam poetas, cientistas e filósofos os
mistérios da vida!...
De que matéria são feitos os sonhos?
E houve um momento para o reencontro, há alguns anos, sem
que um contasse ao outro, ou sequer de tal fizesse comentário, como quem faz
uma longa viagem com um desconhecido que vivia na própria cidade... os sinais
unificadores foram-se revelando.
A cidadã livre pensadora, civicamente empenhada,
apaixonada pela sua terra, pela memória colectiva e pelas palavras organizadas
em livros. Que é isso de viver a cidade, sentir a terra, este chão e os
milhares de identidades que dão forma e espessura a este corpo comum e não ter
voz? E que essa voz não se possa juntar a outras vozes e com outros braços e
mãos e não criem uma cadeia de união que nos aproxime, vincule e nos abrace num
campo comum, partilhado?
E porque a cidadã livre, corajosa, participante, criadora,
sabia que essa condição é tanto mais forte quanto mais trocarmos palavras, partilharmos
vivências, descobrirmos o mundo – o interior e esse aí à nossa roda –
descobri-lo pelo ir e tocar, ou ser-nos revelado, dado a conhecer, pelo registo
lido e interiorizado de um autor mais atrevido.
Sim, atrevido. Que se atreveu a convencer-nos que também
tu, também aquele, pode criar, recriar e verter em páginas todo um mundo que em
geometria variável sai de nós e vem até nós, nos circunda e nos inunda, nos
envolve e nos preenche os dias. E há quem diga, sábios desde o princípio dos
tempos, que nos pode preencher a alma.
A professora Lucinda Maria, em cinco sessões catarse – e
que mal se forem mesmo catarses? – revelou-nos partes do seu olhar profundo e
suave, sobre as coisas que a inquietam e que a despertam. Sobre a sua alma.
Partes que a impelem fazer, construir, edificar em forma de palavras... para
depois nos convidar a entrar dentro delas. E dentro deles, seus cinco livros,
como cinco dedos de uma mão – que aberta em forma generosa tem estendido –
sempre – até nós.
A quem gosta de ler. A quem quer aprender a ler. A quem
gosta de folhear. A quem gosta de sublinhar. A quem gosta de ler alto. A quem
gosta de ler baixinho. A quem gosta de declamar. A quem gosta de editar. A quem
gosta de publicar.
Aos seus amigos. Literatos ou não. Amantes da escrita ou
não.
Que é uma oferta, um presente apresentado para cada um
folhear à vontade do pulsar do seu coração... parece-me que é assim.
Sim. Prosa ou poesia, há em Lucinda Maria as marcas da
vida, de uma vida, das vidas, de vidas cruzadas. De uma existência, hoje
serena, amanhã veremos.
Inexpugnável, surpreendente, com estes sonhos partilhados
Lucinda Maria diz-nos: – Confesso que vivi.
E tanta vida tem dentro de si! Tanto para partilhar!
Pode-se descobrir uma pessoa por um livro? Por cinco
livros?
Pode-se descobrir a Humanidade através de um livro!
E precisamos tanto de humanidade!
E precisamos tanto de palavras. Das palavras certas e
seguras.
Sim. Escrevi-o com convicção.
E precisamos que as palavras transformem.
De que matéria são feitos os sonhos? De vida. De vida
vivida.
Que a reinventam. Que a recriam.
Dizer obrigado à professora Lucinda Maria, pela vida que
nos transmite, chega?
Não. Pedir-lhe para nos dar mais vida em forma de sonhos?
Vamos deixar ao seu livre arbítrio. Cogitar, sonhar,
criar, criar mundos no mundo muito dela e esperar, esperar...
Esperar: essa terra da virtude, onde o tempo não conta.
Só aquilo que ele nos oferece.
E digo: a nossa gratidão por tudo, todos os momentos,
todas as manifestações que a professora Lucinda Maria nos tem dado.
De que matéria são mesmo feitos os sonhos?
José
Francisco Tavares Rolo
SONHO?... LOGO, EXISTO!
Autora: Lucinda Maria
Colecção Sui Generis
ISBN: 978-989-8856-71-5
Depósito Legal: 430909/17
1ª Edição: Setembro 2017
Páginas: 130 páginas
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