18 novembro, 2017

SONHO?... LOGO, EXISTO! - PREFÁCIO



  

PREFÁCIO



“... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem...”
in Confesso que Vivi, Pablo Neruda.


De que matéria são feitos os sonhos?

A vida, felizmente, permite-nos surpresas, momentos marcantes, pessoas inesquecíveis. Partilhas em cadeia, daquelas que não se podem quebrar, em que pela correnteza só temos que somar, acrescentar, gerar densidades, também em forma de afectos... porque não?
A professora Lucinda Maria não foi minha professora; não fiz com ela uma viagem a um lugar único ou inesquecível; não fazemos parte de uma tertúlia permanente, ordeira ou militante; não temos um percurso longo e próximo de vidas cruzadas em comum.
Até sabemos muito pouco um do outro. Mas é importante sabermos muito uns dos outros? Muito? Nos pormenores? Nos recantos e lugares marcados das nossas vidas, quais cartas de marear ou mariolas amontoadas pela serra da Estrela para guiar quem na montanha busca o sentido e o fazer da vida?
Não. A professora Lucinda Maria faz parte daquele troço das nossas vidas, em que primeiro os personagens, depois as personalidades, depois os hábitos, depois os vícios – tão humanos que são os vícios! – se revelam através das luzes da vida cívica.
A luz da cidadania, essa condição tão humana, quando pela cultura nos conseguimos elevar, rasgar horizontes, perceber o diferente e desigual, aceitar o plural; absorvermos o mundo, as pessoas e criamos sociedade, geramos diversidade e tolerância, e essa crença inquebrável no devir melhorado dessa mesma condição humana.
Que combustível – fóssil – esse, o optimismo!
Há quem lhe chame utopia, qual forma prática e consequente de organizar e dar forma e sentido aos sonhos.
Redescobri a professora Lucinda Maria precisamente na luz da partilha cívica, na tentativa da construção de um guia para a felicidade e para o bem-estar que a mais, muitos mais, esse caminho certo contemplasse.
Quis a cidadania, qual vício de dizer: – presente!, nos apresentasse e nos colocasse a falar. E da fala viesse a partilha, e da partilha se dissesse a sério matéria leve, trivial – como trivial é a vida – e nada, nada truculenta entre quem se quer respeitar.
E dissemos de forma viva, livre e solta, coisas sérias sobre a vida, os sonhos, os anseios, as angústias e os medos. E com certeza as alegrias e o avatar das nossas personalidades. A de Lucinda Maria serenamente autoconfiante, de radicular identidade, perscrutante, com os seus contornos de “alma inquieta de nortada”.
De que matéria são feitos os sonhos?
Figuras de estilo à parte, claro que conhecia a professora Lucinda Maria.
Tenho a certeza que até me cruzei com ela milhares – sim, milhares – de vezes aí pelas ruas da nossa vila e, depois, da nossa cidade. E aqui emerge a dimensão do tempo de convivência pelo silêncio e pelo olhar.
Por quantas pessoas passamos todos os dias, partilhamos espaços, sem que gostos, sonhos, desejos, conscientemente se interceptem?
Bem questionam poetas, cientistas e filósofos os mistérios da vida!...
De que matéria são feitos os sonhos?
E houve um momento para o reencontro, há alguns anos, sem que um contasse ao outro, ou sequer de tal fizesse comentário, como quem faz uma longa viagem com um desconhecido que vivia na própria cidade... os sinais unificadores foram-se revelando.
A cidadã livre pensadora, civicamente empenhada, apaixonada pela sua terra, pela memória colectiva e pelas palavras organizadas em livros. Que é isso de viver a cidade, sentir a terra, este chão e os milhares de identidades que dão forma e espessura a este corpo comum e não ter voz? E que essa voz não se possa juntar a outras vozes e com outros braços e mãos e não criem uma cadeia de união que nos aproxime, vincule e nos abrace num campo comum, partilhado?
E porque a cidadã livre, corajosa, participante, criadora, sabia que essa condição é tanto mais forte quanto mais trocarmos palavras, partilharmos vivências, descobrirmos o mundo – o interior e esse aí à nossa roda – descobri-lo pelo ir e tocar, ou ser-nos revelado, dado a conhecer, pelo registo lido e interiorizado de um autor mais atrevido.
Sim, atrevido. Que se atreveu a convencer-nos que também tu, também aquele, pode criar, recriar e verter em páginas todo um mundo que em geometria variável sai de nós e vem até nós, nos circunda e nos inunda, nos envolve e nos preenche os dias. E há quem diga, sábios desde o princípio dos tempos, que nos pode preencher a alma.
A professora Lucinda Maria, em cinco sessões catarse – e que mal se forem mesmo catarses? – revelou-nos partes do seu olhar profundo e suave, sobre as coisas que a inquietam e que a despertam. Sobre a sua alma. Partes que a impelem fazer, construir, edificar em forma de palavras... para depois nos convidar a entrar dentro delas. E dentro deles, seus cinco livros, como cinco dedos de uma mão – que aberta em forma generosa tem estendido – sempre – até nós.
A quem gosta de ler. A quem quer aprender a ler. A quem gosta de folhear. A quem gosta de sublinhar. A quem gosta de ler alto. A quem gosta de ler baixinho. A quem gosta de declamar. A quem gosta de editar. A quem gosta de publicar.
Aos seus amigos. Literatos ou não. Amantes da escrita ou não.
Que é uma oferta, um presente apresentado para cada um folhear à vontade do pulsar do seu coração... parece-me que é assim.
Sim. Prosa ou poesia, há em Lucinda Maria as marcas da vida, de uma vida, das vidas, de vidas cruzadas. De uma existência, hoje serena, amanhã veremos.
Inexpugnável, surpreendente, com estes sonhos partilhados Lucinda Maria diz-nos: – Confesso que vivi.
E tanta vida tem dentro de si! Tanto para partilhar!
Pode-se descobrir uma pessoa por um livro? Por cinco livros?
Pode-se descobrir a Humanidade através de um livro!
E precisamos tanto de humanidade!
E precisamos tanto de palavras. Das palavras certas e seguras.
Sim. Escrevi-o com convicção.
E precisamos que as palavras transformem.
De que matéria são feitos os sonhos? De vida. De vida vivida.
Que a reinventam. Que a recriam.
Dizer obrigado à professora Lucinda Maria, pela vida que nos transmite, chega?
Não. Pedir-lhe para nos dar mais vida em forma de sonhos?
Vamos deixar ao seu livre arbítrio. Cogitar, sonhar, criar, criar mundos no mundo muito dela e esperar, esperar...
Esperar: essa terra da virtude, onde o tempo não conta. Só aquilo que ele nos oferece.
E digo: a nossa gratidão por tudo, todos os momentos, todas as manifestações que a professora Lucinda Maria nos tem dado.
De que matéria são mesmo feitos os sonhos?

José Francisco Tavares Rolo




SONHO?... LOGO, EXISTO!
Autora: Lucinda Maria
Colecção Sui Generis

ISBN: 978-989-8856-71-5
Depósito Legal: 430909/17
1ª Edição: Setembro 2017
Páginas: 130 páginas


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