Isidro Sousa fotografado por Dado Goes em 04-10-2016 |
ENTREVISTA COM ISIDRO SOUSA
O ANTOLOGISTA DA LUSOFONIA
Publicada na Divulga Escritor
Edição Nº 23 – Páginas 6-14
Especial Portugal 2016
Especial Portugal 2016
Por
João Paulo de Oliveira
Isidro Sousa nasceu em 1973, numa aldeia
remota das Terras do Demo, concelho de Moimenta da Beira, em Portugal, e reside
em Lisboa. Jornalista e editor de publicações periódicas desde 1996, fundou,
dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, publicou a primeira
antologia em Fevereiro de 2001, colaborou com diversas editoras, participou em
duas dezenas de obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o
responsável pelos projectos da Sui Generis, que criou em Dezembro de 2015. Tem
14 antologias organizadas (algumas editadas, outras a decorrer) e dois livros
de sua autoria: «Amargo Amargar» e «O Pranto do Cisne».
O
que o levou a lançar a editora Sui Generis?
Antes de mais, devo esclarecer: a Sui Generis
não é uma editora enquanto empresa constituída. É uma marca registada que dá
nome aos nossos livros e um serviço de apoio à edição, sendo mais correcta a
designação Edições Sui Generis (edições remete para serviços e editora para
empresa). Começou por ser o nome de uma colecção de antologias; evoluiu para
obras individuais. Os livros Sui Generis são editados pela EuEdito. A parceria estabelecida
com esta editora permite, em todos os aspectos, publicar as nossas obras. Em
Agosto de 2015, recomeçando a organizar antologias, bati à porta errada; cometi
o erro de buscar o apoio de uma editora pouco ortodoxa, cujo único objectivo
era apoderar-se dos meus projectos. Estando «A Bíblia dos Pecadores» já prestes
a ser impressa, negaram-me o contrato de edição. Não permiti ser ludibriado. Decidi
relançar-me como editor. Criei, então, a Sui Generis cujos projectos associei à
EuEdito, uma empresa transparente que merece toda a credibilidade. Esta parceria
satisfaz-me, é para manter.
Um
ano depois, que balanço faz da sua nova actividade editorial?
Muito positivo! A luta para singrar tem sido
árdua. Abdiquei de certos privilégios que me proporcionavam mais conforto, como
por exemplo do emprego cujo vencimento pagava contas ao fim do mês. Mergulhei
de corpo e alma na literatura, buscando a realização de sonhos. Sonhos antigos.
Sonhos literários. Meus e não só. De outros autores também. Ao longo do último
ano, organizei 12 antologias literárias; algumas já editadas, outras ainda
decorrem. E comecei a preparar, nos últimos meses, o lançamento das primeiras obras
individuais: o meu «Amargo Amargar» e os livros de Rosa Marques e Suzete Fraga.
A autora Guadalupe Navarro, residente no Brasil, também confiou a sua obra nas
minhas mãos. «O Pranto do Cisne», meu segundo livro, foi lançado na Amazon, com
o selo Sui Generis, em ebook Kindle; a versão impressa fica para mais tarde. Dou
Graças a Deus por todas estes êxitos e conquistas. A Sui Generis está no bom
caminho.
Que
temas abordam os seus livros e em que diferem? O que os distingue?
Ambos incluem contos nas suas páginas.
Estórias longas e complexas; quase pequenas novelas. «Amargo Amargar» é
dedicado ao universo feminino; debruça-se sobre as vidas de seis mulheres. Seis
contos, seis mulheres. Mulheres que amam, mulheres que sofrem, mulheres que
amargam amargamente o cálice do sofrimento. «O Pranto do Cisne», por sua vez,
reúne cinco textos homoeróticos. Existe um fio condutor entre eles e são protagonizados,
todos sem excepção, pelo mesmo personagem. Os dois livros apresentam temas
actuais e fracturantes; abordagens profundas bastante polémicas. Pontos fortes
na minha escrita: sensualidade, romantismo e dramaticidade. Cada estória de
«Amargo Amargar» mostra isso, embora a sensualidade esteja mais latente. Os
próprios títulos, tal como as capas, sugerem dramas. Reflectem os conteúdos dos
livros. O segundo, além do drama de o protagonista ver o pai assassinado pela
própria mãe que o abandonara em criança, tem um teor erótico deveras acentuado.
Não se recomenda a almas sensíveis.
Mas
quais são os temas abordados nas obras?
Quatro estórias de «Amargo Amargar» são
contemporâneas; duas ambientam-se no início do século XX, entre o Regicídio e a
Implantação da República em Portugal. Estas abordam o valor da fidelidade e as consequências
do adultério em famílias aristocratas; numa delas, distinguida num concurso
literário, há uma mãe sem escrúpulos que disputa o amor do genro com a filha. Doação
de olhos (córnea) para devolver a visão à pessoa amada, a camponesa alvo do
preconceito de famílias poderosas, gravidez na adolescência, amor com membros do
clero, aborto em meios assaz religiosos e poliamor são temas vincados nas
outras narrativas, ambientadas em idílicos cenários campestres. «O Pranto do
Cisne» apresenta outras abordagens: homossexualidade no futebol, considerado o
desporto-rei, todavia viril, para machões, relações abertas, a futilidade das
celebridades, incesto e muitas aventuras libidinosas, mescladas com a tragédia
familiar que envolve a morte de um pai cujo filho, uma alma sensível e
apaixonante, se refugia em amores de ocasião para atenuar a dor que lhe corrói
o coração e tudo fará para se vingar da mãe assassina.
Que
autores lê regularmente?
Tenho o culto da leitura, de todos os
géneros, estilos e temas, mas não existe um padrão definido. Tanto leio Eça de
Queiroz, Humberto Eco, Camilo Castelo Branco ou Óscar Wilde como pego num livro
de Jorge Amado ou Dan Brown. Os últimos que li: Robert Graves e Guillaume
Musso. Varia muito. Aprecio particularmente temas históricos. Na adolescência,
devorava os policiais de Agatha Christe, Erle Stanley Gardner e Arthur Conan
Doyle, que releio às vezes. Tendo a reler livros de que gostei. De Nikos Kazantzakis
ou Mary Renault, por exemplo. De Genet e García Lorca também. E do saudoso Guilherme
de Melo, em cuja escrita me revejo. Mas não são os autores que me fascinam. Aprecio,
acima de tudo, bons textos. Pegando no livro de um autor menos conhecido, leio
a síntese e as primeiras páginas. Se cativar, prossigo a leitura. Só depois
procuro saber quem é o autor e que outras obras escreveu. Não aprecio José Saramago
e Lobo Antunes, embora reconheça que são bons. Privilegio leituras menos
complexas, ou menos densas.
Quanto
tempo dedica à leitura e à escrita?
Bem menos do que gostaria. Desde que organizo
antologias, mal posso respirar, o tempo é escasso. Em Agosto, passando um
fim-de-semana no seio da Natureza, na zona de Sintra, li novamente um livro até
ao fim. Aliás, nesses dias, li dois ou três. De regresso a Lisboa, o trabalho não
me permitiu concluir a leitura do último. O mesmo sucede com a escrita. Presentemente,
escrevo textos curtos: prefácios, crónicas e contos. Não há tempo para mais. Noutros
tempos, dedicava imensas horas à leitura e à escrita. Até no metro ou em
autocarros apinhados de gente barulhenta conseguia centrar-me na leitura. Se leio
um bom livro, não sei parar – esqueço, inclusive, de alimentar-me. É um
fascínio que prende. Só respiro após virar a última página. Na escrita, idem.
Envolvo-me no enredo como se estivesse num filme. Imensas horas mergulhado
naquela trama, escrevendo, desenvolvendo, revendo. Só faço pausas quando o
cansaço me vence. Sou assim: entrego-me de corpo e alma. Não há uma média de
tempo, desconheço qualquer disciplina relacionada.
Concorda
que o escritor deve ser testemunha do seu tempo?
O acto de escrever acarreta
responsabilidades. Escrevi o meu primeiro romance em 1999, ambientado na
revolução de costumes que ocorreu em Portugal no final dos anos 90. Permanece
inédito e contém fortes referências aos eventos dessa época. Alguém sugeriu: porque
não adaptá-lo à realidade actual? Rejeito totalmente. Além de retratar contextos
de tempos passados, perderia a essência. Os tempos correm, as sociedades
evoluem. Há tradições que se mantêm, outras não. Se hoje temos um mundo melhor,
talvez mais facilitado, houve um percurso, muita luta, evolução. Existe
História! Existe identidade! É como no hospital: que será do paciente que surge
na consulta de urgência sem ter historial clínico? Os médicos vão redobrar
esforços até que vislumbrem a razão do mal presente.
Porque
não publicou ainda esse romance? Alguma razão especial?
O título é «Juno e Java» e é a obra mais
antiga que levei a cabo; sonhei publicá-la desde sempre. Quando senti chegado o
momento de editar um livro, tencionava fazer a estreia com esse romance. Anunciei,
inclusive, no início deste ano, a sua publicação numa entrevista. Razões financeiras
fizeram-me optar por uma obra mais pequena. O romance ultrapassa 300 páginas.
«Amargo Amargar» tem um terço dessas páginas. «O Pranto do Cisne» também. É
mais acessível começar a lançar livros pequenos do que obras volumosas. Não
obstante, chegará a vez do romance. Em 2017, se Deus quiser.
Na
sua perspectiva, para que serve a literatura?
Há quem defenda que é uma arma. Não discordo.
Pode-se denunciar através dela e eu fi-lo recentemente num conto para «Os Vigaristas»;
essa antologia foi a melhor resposta para enfrentar a perseguição desenfreada
por parte do grupo editorial que pretendia prejudicar-me. Bastou divulgar o
regulamento para recuperar a paz. A antologia será brevemente publicada com
estórias interessantes: casa-se a realidade com a ficção e diz-se o que houver
a dizer ficcionando a verdade. Mas a literatura é muito mais: acima de tudo, é uma
fonte de aprendizagem! Ela cria referências, cria identidade, cria cultura! Veja-se
«Os Lusíadas», por exemplo. Além do deleite que uma boa leitura proporciona, ensina
muito. Vejam também «Os Maias» e «Viagens na Minha Terra», leituras obrigatórias
na escola. E outros clássicos do mesmo nível. Quem deseja escrever bem, aprende
muito com esses livros. A nível pessoal, a literatura é uma paixão; não me
preocupa para que serve, desde que me preencha a alma e me realize. Preocupa-me
escrever... escrever bem!
Escreve
por impulso ou sofre para escrever?
Sou capaz de iniciar um texto por impulso,
pegando na ideia disparatada que surge no momento. Porém, a ideia ganha forma,
transforma-se num enredo que vai ficando mais complexo à medida surgem novas situações,
conflitos ou personagens. Chego ao ponto em que já não sou eu que escrevo; é o
próprio enredo que me conduz, desenvolvendo-se espontaneamente, assumindo
proporções muitas vezes inesperadas; mas é preciso seguir aquela linha até ao
desfecho e nenhuma ponta pode ficar solta. E sim... sofro muito. Quer na
concepção da obra ou nas revisões, quer nos eventos mais marcantes ou
emocionantes que nela ocorrem. Se o personagem chora, eu choro; se ri, eu rio;
se grita, eu grito. Há um episódio, no meu romance, sobre a morte de uma
criança, em que o pai, desesperado, tenta reanimá-la. Escrevi-o durante uma
noite inteira; passei essa noite lavado em lágrimas – não conseguia conter-me.
Era como se fosse real e eu próprio vivesse aquele acidente horrendo. Na minha mente,
o filme era real e o protagonista era eu.
Por
falar em revisões, emenda muito?
Só me satisfaço quando vejo todos os pontos
nos iis. Gasto horas a analisar uma frase, um parágrafo. Gasto semanas ou meses
num capítulo. Só largo o texto se tiver certeza de que a vírgula fica bem
colocada, ou deve desaparecer. A vírgula pode influir no sentido da frase. Odeio
gralhas e outros lixos visuais. Não suporto erros ortográficos. Detesto pontas
soltas; as ideias têm de bem ficar arrumadas e os factos bem explicados. E as
repetições? Palavras repetidas, expressões repetidas, ideias repetidas... Afligem-me!
Dedico mais tempo à revisão do que a escrever. Rever não se limita a corrigir
erros; vai muito além disso. Criar a estória é fácil; difícil é estruturá-la, compô-la,
revê-la. Só sossego quando tenho certeza de que nada mais se emenda. Ainda
assim, é bom que outros olhos leiam o texto; pode escapar algo, de tão saturada
que a mente já está. Isso sucedeu no meu prefácio para «A Bíblia dos
Pecadores»: publiquei «fraticida» em vez de fratricida.
Tem
o livro na sua cabeça ou ele vai surgindo a partir de uma ideia inicial?
O livro no seu todo nunca está na mente. No
início, há a ideia... um esqueleto ou uma nuvem ainda indefinida. A trama
começa em Roma, passa pelas Arábias e termina no Japão. Esboço essa linha condutora
e defino conflitos que devem ocorrer, mas ignoro como se fará o percurso. É
sempre uma surpresa. Como se viajasse mesmo! Sim, desenho sempre a espinha
dorsal da narrativa. Mas nunca sei como se desenvolverá o enredo. Só no acto da
escrita, seguindo a linha de raciocínio, é que ele vai surgindo, desenvolvendo,
ganhando vida própria. Como sucedeu em «Juno e Java», cuja estória havia planeado
para um conto de dez páginas (no máximo), com quatro personagens e uma criança.
À medida que o escrevia, perdi o controlo. Resultou numa obra com mais de 50
capítulos e cerca de 30 personagens. Não consegui o conto para aquele objectivo,
ficou o romance.
Quanto
tempo medeia entre a escrita de um livro e a sua edição? Publica com frequência
ou prefere deixar a obra amadurecer?
Não é fácil responder de modo fidedigno
porque a edição dos meus livros é recente, embora publique textos, literários e
jornalísticos, há 20 anos. Tenho dois livros editados, por enquanto. E imensos
textos escritos há anos no arquivo. Relidos inúmeras vezes. Escrevi as estórias
que compõem «O Pranto do Cisne» entre 2001 e 2008. Os contos de «Amargo
Amargar» surgiram nos meses iniciais de 2015. Os livros saíram agora. Tendo em
conta outras experiências, detesto escrever e publicar logo. Não gostei de
fazer isso com o prefácio para «Lágrimas no Rio», de Manuel Amaro Mendonça, apesar
de ter sido elogiado. Sim, prefiro amadurecer. Sempre que possível! Prefiro
manter o texto intocável durante algum tempo e tornar a pegar nele com outros
olhos, a mente distanciada. Capto melhor coisas insignificantes, pormenores que
não interessam, eventuais incorrecções ou ideias mal explicadas. Se porventura
nada mudar, o texto está bom. Aí, posso publicá-lo.
Como
vê o panorama da literatura portuguesa actual?
Há boa literatura, livros menos bons e coisas
em livro que não passam de lixo. Bons livros perduram, o lixo esfuma-se. Escrever
para publicar é diferente de escrever no caderninho. E existem editoras menos
transparentes que são, na realidade, gráficas disfarçadas de editoras cujo
único objectivo é imprimir. Quanto mais imprimirem, mais facturam! Publicam
tudo o que lhes cai na rede e nem tudo o que vem à rede é peixe. Sei que é
verdade! Enquanto agente literário, vi coisas que repudio. Chegam ao cúmulo de
publicar textos repletos de erros ortográficos, sem sequer os submeterem a algo
tão básico como o corrector do Word; o livro pode ter a capa apelativa, mas os
erros permanecem nas suas páginas. Há editoras que fazem propostas de edição sem
lerem os manuscritos. Limitam-se a contabilizar páginas, fazer contas e enviar
propostas com os seus orçamentos. Se o autor aceitar, imprimem os exemplares designados
de “oferta” para o autor, imprimem mais meia dúzia para qualquer eventualidade
e ficam por aí. Dizem que vendem... não vendem! Iludem o autor com falsas promessas.
Depois de lhe sugarem os euros, abandonam-no à própria sorte; ele que venda os
livros! Infelizmente, é verdade. Por isso, não canso de alertar: prestem
atenção às queixas de outros autores. Eles podem ter razão!
É
essa a sua perspectiva global?
Global, não. Claro que não! Refiro-me a
pequenas editoras que grassam como cogumelos, embora algumas sejam realmente
honestas e tenham procedimentos correctos. Não se pode generalizar... dez
árvores não fazem a floresta, mas essas dez existem. Com grandes editoras e
autores consagrados, situações dessas não sucedem, seria o fim da picada. No pequeno
meio editorial, sim... com vasta frequência. Por outro lado, há pessoas vaidosas
que têm disponibilidade financeira para imprimir um livro sem o menor cuidado,
cheio de erros, gralhas, palha e coisas assim, e depois arrogam-se de escritores.
E não aceitam críticas! Se vejo um livro desses, ponho-o de lado. Quanto às
críticas, é bom que aprendam a aceitá-las. Eu evoluí com a crítica. Sempre a
procurei. Positiva ou negativa, desde que construtiva, é bem-vinda. Pois, como diz
o ditado, estamos a morrer e a aprender.
Como
editor, qual considera a sua principal responsabilidade?
Lançar obras bem cuidadas! Quer na
apresentação, quer nos conteúdos. Que interessa ter uma capa divina se o
conteúdo não lhe faz jus? Preocupa-me verificar os pormenores, por mais ínfimos
que sejam: se a obra está bem estruturada, bem narrada, bem revista. Mesmo que
o autor diga que já fez revisão, revejo sempre. O conteúdo, para mim, é sagrado!
Não basta ter uma capa apelativa. E também a paginação, o papel, impressão e
acabamentos com qualidade, boa promoção e não só. Porque o livro é um luxo, não
um lixo. Não pode ser banalizado com maus textos. O editor tem de saber
orientar, corrigir, favorecer, colaborar. O autor requer bom acompanhamento,
desde o início. Entre mim e os autores Sui Generis, existe uma forte
cumplicidade; amizade também. O acompanhamento é constante; na organização de
textos, revisão, escolha do título e da imagem adequada para a capa... eu cuido
de tudo isso! Para que o livro seja lido e o leitor anseie pelo próximo. A
propósito, a autora Sandra Boveto escreveu, há tempos, no Facebook: «O Isidro
não se contenta com o seu próprio sucesso; quer também o nosso sucesso!» É
verdade! Não sou egoísta. Todos os livros que passam pelas minhas mãos são
tratados como filhos.
E
como escritor?
Não me identifico com esse epíteto, embora
possua o dom da escrita. Prefiro autor. Ou editor; é o termo que melhor me caracteriza.
Enquanto autor, preocupa-me escrever bons textos, seja qual for o género, ou
tema. Textos que cativem, despertem interesse, transmitam alguma mensagem. Textos
que toquem na alma. Que sejam lidos e que perdurem. Sou responsável na escrita.
E embora não escreva para seduzir A ou B, agrada-me saber que alguém aprecia o
meu texto, se revê nele e analisa-o, visando melhorias na sua escrita. Eu
também tenho muito que evoluir ainda. Mas, sobretudo, escrevo para mim. Como
uma catarse. Eu próprio tenho de gostar! Caso contrário, não mostro. Ou
reescrevo ou inicio outro texto. Normalmente, gosto de me ler. Só depois de
gostar é que partilho.
Geralmente,
os escritores que fundam editoras fazem-no com o intuito de publicar autores
que se inserem na sua corrente literária. É o seu caso, ou pretende um âmbito
mais vasto para a Sui Generis?
Não ambiciono ter um elevado número de
autores para editar. Prefiro menos, mas bons. A Sui Generis foi criada para as minhas
antologias e, por arrastamento, para lançar os meus livros. Os mesmos que tentei
publicar, em vão, ao longo dos anos. Participam bons autores nas Antologias Sui
Generis, cuja escrita vou conhecendo; havendo afinidade, tornam-se amigos. Alguns
têm dificuldades similares no que toca ao factor edição. Há os que se inserem
na minha linha, outros possuem estilos diferentes, mas bons. Suzete Fraga, por
exemplo, é uma espécie de pupila; revejo-me nos textos dela. Todos eles vão formando
uma família literária e têm a Sui Generis ao dispor. Para apoiar a edição das
suas obras de um modo mais fácil e menos dispendioso em relação ao que a
generalidade das editoras propõe. Embora não descarte outros, darei sempre
preferência aos autores que participam nas Antologias Sui Generis. Conhecendo-os,
facilita muito o meu trabalho.
Por
falar em corrente literária, qual é a sua?
Não sei até que ponto é legítimo falar em
corrente literária. Isso faz-me lembrar movimentos de outros tempos, como as
Conferências do Casino ou Geração de 70, os Vencidos da Vida ou mesmo a Questão
Coimbrã. Nessa época, havia objectivos políticos e inexistiam outros meios além
da literatura para protestar. Presentemente, podem-se reflectir certas
realidades actuais na literatura, mas raramente se fazem protestos; pelo menos,
de modo organizado ou colectivo. Na parte que me toca, a experiência no meio
literário, com outros autores, é recente. Eu sou bastante ecléctico e as
antologias reúnem diversos estilos, sensibilidades e culturas. Aliás, é nessa
variedade que reside a maior riqueza de uma antologia, algo que aprecio. Surgem
cada vez mais autores nas Antologias Sui Generis, portugueses e brasileiros,
cada um com a sua particularidade. Mesmo os poetas... cada um tem o seu modo de
poetar. Nas obras individuais, também não pretendo adoptar uma linha específica.
Acima de tudo, que tenham qualidade. Desse modo, pode-se considerar que a minha
corrente literária, se é que tenho alguma, seja ecléctica.
Durante
12 anos, dirigiu a revista Korpus, a
única que em Portugal se dirigia a um público homossexual e que marcou uma
época. Essa experiência reflecte-se na sua escrita de hoje?
A Korpus enriqueceu-me sobremaneira a bagagem
do saber; foi a minha maior escola. Quando a fundei, em 1996, os meus
conhecimentos em jornalismo e noutras áreas editoriais eram nulos. Porém,
rodeei-me de bons jornalistas e outros profissionais, do Direito à Antropologia.
Tropeçando e aprendendo, fui evoluindo. Aprendi a rever, a coordenar, a
organizar, a paginar, a promover, a fotografar, a vender, tudo! Com o tempo,
tornei-me minucioso, perfeccionista. Obviamente que tudo isso se reflecte nas
tarefas actuais. Doze antologias lusófonas e cinco livros individuais num ano
não é pêra doce. É preciso ter estofo para gerir diversos projectos desta envergadura
em curtos espaços de tempo. E com qualidade! Esta capacidade de trabalho é um
reflexo da longa experiência adquirida com a Korpus. Não haja a menor dúvida! Sem
essa experiência, dificilmente conseguiria dar conta dos projectos, tantos e
variados, que tenho, presentemente, com a Sui Generis.
Voltando
à sua faceta de editor... Tem sido fácil o percurso? Ou tem encontrado muitos
obstáculos?
A vida sem obstáculos torna-se monótona. Obstáculos
são o tempero de um bom percurso profissional. Temos é de saber contorná-los, e
nunca desistir das metas. Aprendi a fazê-lo. Com muita luta e sacrifício,
claro. Hoje, não permito que me pisem, não aceito que me derrubem, não me rendo
facilmente. Eles marcaram sempre presença na minha trajectória editorial, desde
há 20 anos. Calejaram-me. No contexto actual, um dos mais flagrantes surgiu no
ano passado, quando o grupo editorial, com o qual então colaborava, quis
apoderar-se do meu projecto e tentou desmoralizar-me. Não me acobardei com
pressões, ameaças e perseguições. Pelo contrário! Arregacei as mangas, fiz das
tripas coração e fui à luta. Contra ventos e marés, lancei a Sui Generis, sem
qualquer hesitação, e vejam-se os resultados volvido quase um ano. Um
obstáculo, quando ultrapassado, fortalece-nos.
E
desilusões? Deslealdades?
Imensas! Mas os anticorpos criados raramente
me deixam afectar. Entristecem e exigem cuidados redobrados; quanto mais
prudente, melhor! Contudo, há que prosseguir. No final de Setembro, vi uma
antologia Sui Generis, «Anjos & Demónios», copiada por uma editora no
Brasil e denunciei logo a situação. Não a obra em si, ainda não concluída, mas a
ideia do projecto: mesmo tema, mesmo título, mesmas regras, mesmos prazos de submissão,
regulamentos muito idênticos. Que nome dar a isso senão cópia? Coincidência?
Pois se o meu trabalho é conhecido na referida editora e participei, inclusive,
em projectos da mesma... Há várias maneiras de elaborar regulamentos que transmitem
a mesma coisa. Meia dúzia de palavras cortadas ou alteradas não escondem um
copy/paste. De igual modo, também certos autores, nos quais julgava poder
confiar, desiludem. Há quem se aproxime visando saber o que se faz por cá, para
relatar sabe-se lá a quem. Tipo espionagem. Se julgam que eu não percebo, enganam-se.
Posso fingir que fecho os olhos, porém, não durmo. Bem pelo contrário: vou-lhes
dando corda até que se enforquem nela. Tenho procedimentos específicos para conhecer
os terrenos pantanosos em que me movo.
Quais
são os planos para os próximos tempos?
Lançar, ainda este ano, as antologias
finalizadas: «Ninguém Leva a Mal» (estórias carnavalescas), «Sexta-Feira 13»
(contos assombrosos), «Saloios & Caipiras» (contos, causos, lendas e
poesias sobre as ruralidades portuguesa e brasileira) e «Torrente de Paixões»
(poesia lusófona). Seguem-se «Os Vigaristas» (crónicas, poemas e contos do
vigário) e «Devassos no Paraíso» (contos eróticos). Estão a decorrer «Anjos
& Demónios» (contos sobrenaturais), o segundo volume de «A Bíblia dos
Pecadores» (inspirada em episódios bíblicos) e «Graças a Deus!», uma Acção de
Graças, em prosa e poesia, para o Natal. Não sou religioso, mas tenho muita fé
em Deus e esta antologia é o melhor agradecimento. Há mais antologias, com
temas distintos, para organizar e novos livros individuais no horizonte. Em
2017, desejo um maior envolvimento de autores em projectos Sui Generis e
dedicar-me aos meus livros que ficaram de lado. Tenho três para editar: «De
Lírios» (contos), «Feiticeiro do Amor» (poesia) e «Juno e Java» (romance).
CONTACTOS
Email – letras.suigeneris@gmail.com
Facebook – www.facebook.com/isidro.sousa.2
Blogue Pessoal – http://isidelirios.blogspot.pt
Sui
Generis – http://letras-suigeneris.blogspot.pt
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