ENTREVISTA: ESCRITOR ISIDRO SOUSA
«O principal desafio reside em vencer o preconceito.
Especialmente isso: vencer todo e qualquer tipo de preconceito!»
Isidro Sousa nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, e vive em Lisboa. Editou a revista Korpus (1996-2008), dirigiu o jornal Púbico (2008-2012) e produz anualmente o guia turístico Lisbon Gay Guide. Entre 2014-2015, participou em dezenas de obras colectivas (Portugal e Brasil) e foi distinguido com o 2º Prémio no 5º Concurso Literário da Papel D’Arroz. Organizou: «1ª Antologia de Literatura Homoerótica Portuguesa» (com o patrocínio da Câmara Municipal de Lisboa), «A Bíblia dos Pecadores» (lançamento em Fevereiro), «Boas Festas» (Silkskin Editora) e «O Beijo do Vampiro». Dirige a Colecção Sui Generis e tem a decorrer duas novas antologias: «Vendaval de Emoções» e «Ninguém Leva a Mal». Editará brevemente «De Lírios», compilação de textos publicados em várias colectâneas, «O Pranto do Cisne» (contos homoeróticos) e «Juno e Java», o seu primeiro romance.
Escritor
Isidro Sousa, é um prazer
contarmos com a sua participação no projeto Divulga Escritor, conte-nos o que o
motivou a ter gosto pela escrita literária?
O prazer
é meu; e desde já agradeço a oportunidade de poder expressar-me. O gosto pela
escrita surgiu na adolescência, graças a Agatha Christie, essa magnífica rainha
do policial. Eu era um ratinho das bibliotecas, devorava qualquer livro que achava.
Levava para casa o maior número que me era permitido. Um dia (tinha 13 ou 14
anos), uma reportagem, que abordava o modo como Agatha Christie iniciou a sua
obra, fez-me tomar a decisão: se ela conseguiu, eu também! E escrevi a minha primeira
narrativa. Comecei, então, a narrar as minhas tramas, numa descontracção
(ainda) infanto-juvenil e à laia de novelas policiais. Construí variadíssimos
enredos, escrevi e reescrevi, rasguei e tornei a escrever. Tudo isto durante
vários e longos anos. Mais tarde, consegui publicar (pequenos) contos em
revistas e jornais. No entanto, só agora consigo realizar o sonho: publicar o
meu primeiro livro.
Em que momento pensou em escrever
o romance “Juno e Java”?
É o primeiro
romance, a obra que marca a minha estreia literária, o meu cartão de visita
enquanto autor. Concebi-o e escrevi-o no final do século passado, em 1999... há
muitos anos... quase vinte! Esperei demasiado pela publicação. Desesperei; todavia,
jamais perdi a esperança! Aborda temas sensíveis, pouco explorados, pelo menos
no contexto português. Submeti-o a algumas (grandes) editoras; embora a sua edição
nunca tivesse sido rejeitada, a verdade é que nenhuma dessas editoras ousou
publicá-lo. Retrata o amor no masculino... isto é: o amor entre pessoas do
mesmo sexo. Terá sido esse o entrave? Infelizmente, o preconceito mantém-se. Nos
tempos que correm, é politicamente correcto não discriminar. Todavia, quando
chega a hora da verdade, prevalecem situações como esta. Se não tivesse
qualidade, receberia a resposta-padrão típica de que a obra não se «enquadra»
na linha editorial da editora. Mas não. Nem esse tipo de resposta (esfarrapada)
me foi concedida!
Quais os principais desafios para a escrita desta obra?
O
principal desafio reside em vencer o preconceito. Especialmente isso: vencer todo
e qualquer tipo de preconceito! Escrevi esta obra no final do século XX, nos
últimos meses de 1999, numa época em que o preconceito grassava... fazia muita
comichão! Hoje (com a evolução dos tempos) é politicamente correcto não
discriminar – refiro-me a qualquer tipo de discriminação! O racismo, por
exemplo. Embora digam que não, o racismo continua. O preconceito contra a
pobreza mantém-se. A homofobia também. Há que lutar contra isso! E a luta passa
(também) por esclarecer mentes confusas, ignorantes, ou menos informadas. A
ignorância é o maior aliado do preconceito! Apresentando uma história sublime,
como a que é narrada nesta obra, posso contribuir muito para abrir
mentalidades. E sem chocar ninguém...
De que forma estes desafios estão
sendo superados?
Quando se
aborda um tema sensível como a relação homoafectiva – cada vez mais presente
nas vidas ou ambiências de todos nós – passa justamente por aí: esclarecer e
formar mentalidades. Mostrar que estas relações não são estanques, nem são exactamente
como (erroneamente) lhes foi transmitido. Existe sentimento! Existe sofrimento!
Existe amor! Existe algo sublime! Claro que (também) são comuns situações menos
agradáveis... mas não se pode generalizar. Repito: o preconceito é fruto da
ignorância! É justamente isso que «Juno e Java» mostra: o amor entre duas pessoas
«iguais» pode ser vivenciado de um modo tão autêntico (ou mais) que o amor
entre pessoas de sexo diferenciado. Por outro lado, as próprias editoras sentem
engulhos em lançar obras cujos temas abordados fujam da norma. Eu senti isso.
Você é idealizador da antologia
“A Bíblia dos Pecadores”. Conte-nos um pouco sobre objectivos e temas abordados
nos textos que compõe a antologia.
Eis uma grande
obra colectiva que me deu imenso prazer organizar. Tanto, ou mais, quanto ter
escrito o romance! Reúne 44 autores – 30 portugueses e 14 brasileiros – e
aborda temas variadíssimos. Cada texto é inspirado num episódio da Bíblia e
cada autor criou a sua história a partir de uma citação. Temos histórias
belíssimas! Desde o amor sublime às previsões apocalípticas. Dramas familiares
inspirados na tragédia de Abel... a figura de Eva deu pano para mangas, a de
Madalena também... a trama que eu escrevi, por exemplo, debruça-se sobre as
consequências do adultério (inspira-se numa passagem do Deuteronómio)... há
sátiras, comédias, aventuras, histórias de amor romântico, tragédias, peças de
teatro... e temas abordados como: voluntariado, missões humanitárias,
consequências do alistamento em fileiras islâmicas, Direitos Humanos em solo
africano... são imensos os temas abordados. Cada autor, um tema distinto! Crónicas,
prosa poética, policiais, ficção científica... há tramas para todos os gostos.
Seria fastidioso enumerá-los todos nesta entrevista.
Quem desejar fazer reserva para
compra de «Juno e Java» e de «A Bíblia dos Pecadores», como proceder?
A
publicação do romance «Juno e Java» foi adiada para a Primavera, devido ao
conflito que surgiu com a editora que o iria publicar (no passado mês de
Dezembro), razão pela qual ocorreu o rompimento. O romance será publicado
através da nova editora que está a ser constituída, cujo nome será Sui Generis.
O nome Sui Generis já existe enquanto título de uma Colecção de Antologias, com
a chancela da editora EuEdito. Embora a colecção já exista, a (nova) editora
será lançada durante os próximos meses; não obstante (até a editora estar oficialmente
constituída), todas as obras Sui Generis serão publicadas pela EuEdito. «A
Bíblia dos Pecadores» tem o lançamento marcado para o próximo dia 13 de
Fevereiro, em Lisboa. E qualquer reserva poderá ser feita através do nosso
blogue (http://isidelirios.blogspot.pt), por e-mail (letras.suigeneris@gmail.com)
e através das redes sociais.
Quais os seus principais objetivos
como escritor?
O meu
principal objectivo como escritor (não gosto deste termo; prefiro autor) será
sempre escrever até que a mão me doa. Ou até que a imaginação me falhe. Escrevo
desde criança; adorei conceber e narrar as minhas próprias tramas desde tenra
idade. Tive vivências ao longo da vida (refiro-me a vivências jornalísticas)
através das quais assimilei outras experiências, convivi com várias
sensibilidades, testemunhei imensas realidades. Embora a minha escrita nunca
seja totalmente real, procuro combinar experiências reais com a ficção. É um
bom casamento! Depois, construo as minhas próprias narrativas. Por norma, as
minhas tramas nunca deixam o leitor indiferente. Mas leiam e tirem as vossas
próprias conclusões! Se conseguir vingar enquanto autor, quero dizer... viver à
base da escrita, ou do que a escrita me possa proporcionar... seria a minha
maior felicidade. Nada mais pediria nesta vida.
O que mais o encanta na
área literária?
Principalmente,
o processo de construir uma história! Vivências que muitas vezes fogem à nossa
realidade e a capacidade de produzir emoções, que tantas vezes vão ao encontro
das vivências reais. Produzir ficção a partir da realidade. Fazer que, nas
tramas que relato, o leitor se reveja... por mais absurda que seja a história vou
narrar. Fazer que essa mesma história mexa com o mais íntimo de cada ser
humano. Porque a sensibilidade está (e estará) sempre presente nas minhas
narrativas; mesmo o leitor mais insensível sentir-se-á tocado... independentemente
do tema abordado.
Quais as
melhorias que você citaria para o mercado literário em Portugal?
Este é o
assunto menos agradável… que gostaria de referir. Centro-me somente na
realidade portuguesa. Desconheço a realidade no Brasil; portanto, ignoremo-la.
Primeiro: as deficiências começam pelas próprias editoras, que grassam como
cogumelos com fins meramente comerciais e cujo único objectivo é facturar… não
vejo qualidade; não vejo rigor; não vejo preocupação com o autor que pretende
lançar a sua obra e necessita de algum apoio. Vejo muitos oportunismos. Vejo
somente quem queira facturar… encher bolsos de dinheiro à custa de autores mais
desprevenidos (desculpem a crueza, é a realidade). Colaborei durante três meses
com um grupo editorial… assisti a cruzes do arco da velha... cortei relações! Foi
o suficiente para verificar a desonestidade, a falta de transparência, a ausência
de tudo e mais alguma coisa que grassa por aí. Aos autores que desejem
apresentar alguma obra a alguma editora recomendo: mil cuidados!!!... Nunca
serão demais! Avaliem bem (muito bem) a editora que procuram antes de lhe
apresentarem os vossos trabalhos.
Pois bem, estamos
chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer melhor o escritor Isidro
Sousa. Agradecemos sua participação no projeto Divulga Escritor. Que mensagem
você deixa para nossos leitores?
Aos leitores: antes
de comprarem o meu livro ou alguma das minhas antologias, pesquisem o meu
blogue... não quero que se sintam enganados! Se gostarem, comprem os livros e
deliciem-se! Mas leiam mesmo!!!... Aos autores: escrevam. Escrevam muito! Leiam
e releiam o que escreveram. Leiam muito. Muito mesmo! Tornem a ler, voltem a
reler. Corrijam sempre… sempre que for necessário. Corrijam quantas vezes
considerarem necessárias. Mesmo assim, tornem a ler! Leiam mil vezes, se
necessário for. Enquanto o próprio autor não estiver satisfeito com o texto que
escreveu… ninguém mais gostará! E não liguem aos comentários dos amigos... os
amigos gostam sempre, mas nunca farão a crítica construtiva que nos permite
evoluir. Um bom autor precisa de evoluir… e não dos comentários (positivos) do
amigo que gosta de tudo aquilo que nós fazemos. Por vezes, vale mais uma
crítica negativa... mesmo que doa! Por outro lado, no momento de procurarem uma
editora para editar a vossa obra… volto a frisar: cuidado!... Muito cuidado com
as entrelinhas!... Se não souberem interpretar um contrato, procurem alguém que
saiba fazê-lo. Para que não se arrependam mais tarde. Não esqueçam: fala a voz
da experiência!
Contacto para
participações (em antologias) e encomenda de livros:
letras.suigeneris@gmail.com
---
Entrevista publicada na «Divulga Escritor», páginas 17-20
Revista Literária da Lusofonia, Edição Nº 18, Fevereiro 2016
http://www.divulgaescritor.com/products/divulga-escritor-revista-literaria-da-lusofonia-ano-iv-n-18-fev-mar-2016/
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