13 outubro, 2016

O PRANTO DO CISNE - PREFÁCIO DE MARCELLA REIS


O PRANTO DO CISNE
Aventuras de Um Fotógrafo Desinibido


PREFÁCIO


Antes de começar a prefaciar esta obra, tenho de dizer que fiquei muito surpresa ao receber este convite do colega das letras e amigo Isidro Sousa. Tudo porque o acho fantástico como ser humano, como autor, como coordenador e organizador de Antologias e Projectos e como divulgador de toda a Lusofonia (e isso tem demonstrado com louvor, através da colecção que criou, a Sui Generis, onde em parceria com a Chancela EuEdito publicou, publica e publicará diversas Antologias com temáticas variadas: desde textos e poesias sobrenaturais, religiosas e campesinas à prosa e poesia erótica).

Falámos ao telefone. Ele explicou-me a história e o seu enredo no geral para que a pudesse ler e depois prefaciar. Compreendi mais ou menos, mas de pronto fiquei excitada e entusiasmada para ler a obra intitulada por “O PRANTO DO CISNE”, um nome poético, significativo e enigmático que poderia ser uma história romântica, clássica e dramática. Não, mas não é apenas isso! E paradoxalmente é tudo isso também, só que não é nem um contozinho erótico de fadas com o qual a sociedade e alguma parte da “maltinha” da escrita e leitura erótica actual estão acostumados a escrever ou a ler. Os textos desta obra são contos muito realistas e sem o menor pudor de o ser. São fictícios, mas roçam a realidade de uma forma tão pavorosa, provocadora, lasciva e frenética, tal qual como o sexo de Valero, personagem principal do livro, roçou o seu sexo e o seu coração desesperado e quente nos mais variados encontros e desencontros casuais e descasuais que tivera na sua vida e numa trama narrada arduamente por Isidro Sousa com maestria e absoluta licença de dizer na íntegra, e sem proibição, o que se quer e tem para se dizer através de palavras recheadas de ricos cenários, cheiros, sons, temperamentos, cores e espaços específicos magnetizados por uma energia sugadora.

Sim! É uma obra em que nalgumas partes são retratadas as vidas atípicas e comezinhas invulgares da sociedade portuguesa, escondidas em sarjetas e emergidas em aparências falsificadas e relapsas da “real society”, das chamadas tias de Cascais, do escândalo enrustido na promíscua cordialidade do mundo futebolístico, jornalístico, da fotografia, da moda e do meio artístico em geral. Das aparências nefastas estampadas nas revistas cor-de-rosa quando a podridão é escondida por debaixo do tapete persa e da riqueza sublimada pela bajulação à qual a personagem de Valero não se rende em nenhum momento. Valero se rende pura e simplesmente apenas à sua busca incondicional de prazer sexual com os homens que o vão atraindo como um modo de esquecer a tragédia familiar que envolve o assassinato de seu pai cometido pela sua própria mãe: a fútil e vingativa Natália que Valero acaba por descobrir ser casada com o jogador Tádzio Madjer, amante do seu pai, Vanderlão, com o qual também pai e filho acabam por protagonizar um bizarro triângulo amoroso.

Mas o que Isidro Sousa traz com as suas palavras nuas, desvestidas de corpetes apertados a fingir uma falsa cintura... O que o autor traz com as palavras ora nada asseadinhas e nada higienizadas com sabão neutro ora perfumadas de amaciador azul-neón estendidas no varal prontas para serem apanhadas e passadas a ferro por uma boa Amélia do lar... O que o autor traz com as suas palavras fortes e incontidas, “mundanas” e levianas, é uma verdade absoluta, e não obsoleta, de que essas mesmas palavras que dizem por aí serem feias e sujas, e que para muitos moralistas incondicionais não podem ser escritas e reveladas num livro como este, por exemplo, que tem como finalidade contar fidedignamente o que existe nesse mundão de Deus... é de que elas são faladas e vivenciadas todos os dias e por muitas pessoas no quotidiano. Isidro Sousa não lava as palavras e, quando o faz, ele lava a roupa suja com as mãos, sem máquina de lavar... e deixa as roupas quararem ao Sol e dobra-as sem as passar para que as pessoas, nós os leitores, as vistamos do mesmo jeito em que foram apanhadas e para que as usemos da maneira que bem entendermos.

Os contos de “O PRANTO DO CISNE” não são tons de cinza e nem de sombras. São cores vivas de um amor que ficou na lembrança da maior desilusão de Valero: a de ter que conviver e sobreviver para sempre sem este amor e paixão avassaladora que ele sente pelo seu progenitor.

Na obra encontrei palavras como Vernissages... Palavras como esta que não estão mais na moda, das quais quase não se ouve falar por aí, que nos levam a viajar pelo espelho do retrovisor de um carro antigo. Além do mais, o vocabulário do autor é deveras criativo para descrever uma simples transa de uma só noite ou de um só momento. São palavras encrustadas em situações e encaixadas de uma forma que se pode sentir e ver como num filme todo o acto sexual que está a acontecer no momento.

«Creio que mantinham relações sexuais com bastante frequência sem tomarem precauções porque a gravidez apanhou-os de chofre, levando-os ao casamento.» Um aperitivo para a tesão que é ler todo o livro. O livro começa no mínimo com uma frase destas já na primeira página.

Há o complexo de Édipo totalmente exposto na obra. A admiração pelo pai e o rancor guardado pela mãe que abandonara o lar e traíra o ser que ele mais amava, seu pai.

O nome diferente das (duas) personagens Vanderlero demonstra a criatividade do autor. No início um nome estranho e a partir do momento em que vamos nos familiarizando com a história e com os “Vanderleros” o nome invulgar passa a ser comum e a soar mais normal.

As alcunhas parecem caracterizar e representar a personalidade das personagens propositalmente ou por intuitividade. Varderlão: o pai e sua virilidade. Vanderlito: o filho, “orfão” e carente de amor, até chegar ao poético e erótico nome que o próprio herói da trama se deu: Valero. Como se ele próprio se batizasse. Nome que soa como um piano aos ouvidos.

A “lendária” estória do apanhar o sabonete e a velha conversa de café entre os amigos machões que troçam dos banhos em conjunto entre homens afinal sempre existiu e está na “novela” de Isidro Sousa. Sim. Poder-se-á chamar este trabalho de uma novela de Walcyr Carrasco não passada na TV aberta ou uma minissérie de Nelson Rodrigues, e até uma película ao bom e velho estilo Almodovariano.

Apesar de o calão decorar quase todos os diálogos entre as personagens, a história é narrada com palavras... desde científicas até às mais emproadas, sem deixar de dar realidade e inteligibilidade aos cinco contos que constroem toda a obra.

Há uma riqueza na descrição que não faz cansar o leitor. Sente-se o clima do vapor e da água tépida a cair no balneário, do frenesim que é o mundo do futebol, este mesmo mundo no qual o fotógrafo Valero cresceu e tem em torno de si, das festas das celebridades e todas as suas futilidades.

Uma mulher que leia este livro pode ter a concreta certeza de como é ter um pénis entre as pernas e de como é usá-lo de todas as formas. Eroticidade narrada com verdade e que mergulha no realismo sujo da literatura com toda a cabeça sem deixar o corpo e a alma de fora.

Isidro Sousa criou personagens muito reais e humanas. Elas acreditam piamente no autor que é o Deus delas. E este próprio autor surpreende-se com as suas criaturas e com o desenrolar dos acontecimentos, porque – como todo o excelente autor – lhes dá o livre arbítrio. É nesse âmbito que nunca, em circunstância alguma, dever-se-á culpabilizar o Isidro pela depravação explícita e pornografia executada pelas personagens da trama.

E nunca se culpa, também, um autor por amar as personagens que criou e por as ter criado. Mesmo que estas sejam assassinas sanguinárias, mesmo que cometam um incesto ou amem o seu filho ou pai como cônjuges. Mesmo que estas personagens sejam invejosas farsantes ou racistas... Mesmo que elas façam o diabo a quatro e deixem o Diabo ficar de quatro! Pois que... culpabilizar o autor que as criou pelo erro que a criatura comete, seria como culpar Deus por ter nos criado e mesmo assim nos amar com todas as nossas escolhas erradas e falhanços. No momento em que Ele nos cria, já não tem mais controle sobre nós e sobre as nossas vidas e decisões tomadas. Assim é a escrita de Isidro Sousa, que se deixa levar pela trama e pelas consequências causadas pelos intérpretes e por isso cada conto tem, de facto, algo que nos prende e que nos é verdadeiramente sui generis, erótico e realista, nos presenteando com o cheiro da pele humana no seu mais intrínseco suor, odor e asperidade.

Desse modo, devo dizer que apesar de o autor Isidro Sousa ter me preparado e precavido de que estas “AVENTURAS DE UM FOTÓGRAFO DESINIBIDO” têm um teor erótico pesado, com “calões” e cenas de sexo totalmente explícitas, a obra apanhou-me de surpresa. As cenas contadas com veracidade deixaram-me duas noites de olhos arregalados. Assustaram-me a alma, empurrando-a para fora de mim, dando espaço ao meu corpo para que esse pudesse se emprestar a sensações do misterioso e cheio de mister Valero.

Posto isto, “O PRANTO DO CISNE” é uma obra que os leitores que a lerem no comboio, no banco de uma praça ou ao ar livre perto de uma multidão, podem correr o risco de se sentirem com receio ou vergonha e vão olhar para os lados para terem a certeza de que não estão a ser observados e apanhados no delito que cometem ao espiar as quatro paredes de um rapaz devasso que, ao fim e ao cabo, só quer amar e ser amado e a Odisseia de prazer em que ele acaba fulgurando é apenas a busca pela Epopeia de amor que almeja e que quer climaxizar em sua vida.

Cá não há eufemismos! O único eufemismo que se encontra na obra está no título. Valero não é um cisne. É o patinho feio abandonado pela mãe, apesar de muito badalado e de belo por fora. E o pranto desse Cisne é um Tsunami que não é vertido em lágrimas. Ele as derrama simbolicamente através dos seus gozos, do prazer ao qual ele se rende e deixa os outros renderem-se como forma de vingança para livrar-se da própria dor que espezinha a sua alma de menino e o seu corpo de homem. Valero capta através da lente dos seus olhos os homens interessantes que vão aparecendo em sua vida como flashs, homens que foram fortemente marcados por um relacionamento ou estão num relacionamento no presente, voltando assim à posição inicial da reconstrução de um triângulo amoroso tal qual tivera e vivera ao lado de seu pai no passado.

Por isso tudo, resta-me dizer-vos, caros leitores, de que este não foi um prefácio. Muito pelo contrário: foi um “predifício” tanto pela consideração que tenho pelo trabalho metódico e cuidado que é genuíno do escrevente, quanto pela pessoa a quem pertence a obra e por esta ser brilhante e fantástica na matéria do erotismo e no campo das letras.

Bem-vindos à leitura de uma viagem sexual sem moral nenhuma, mas que nos deixa uma moral escondida no psicológico do apaixonante Valero, que é tocante e de suma importância: não importa o quanto você sofre. Ninguém nunca se importará com a sua dor e o seu sofrimento, a não ser que você transforme a sua dor em prazer e lhes ofereça este prazer em troca.


Marcella Reis
Sintra, 20 de Setembro de 2016



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