26 fevereiro, 2018

CRIMES SEM ROSTO – PREFÁCIO




PREFÁCIO


A literatura policial fascina-me desde que li o primeiro livro deste género. Achei-o numa das visitas iniciais, durante a adolescência, à Biblioteca Municipal de Moimenta da Beira, da qual me tornaria frequentador assíduo; esta biblioteca regional, instalada na conceituada Casa das Guedes, era o meu refúgio quando saía da escola. Perscrutando estantes repletas de livros, chamaram-me a atenção as prateleiras reservadas aos policiais. Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, Erle Stanley Gardner, Patrícia Highsmith, Jorge Ibargüengoitia e Ruth Rendell são alguns autores cujas obras devorei sofregamente. Sim, devorei literalmente todos os livros que encontrei destes autores e não só, tornando-se o género policial, desde logo, a minha leitura predilecta. Heróis da cena policial como Miss Marple, Hercule Poirot, Sherlock Holmes ou Perry Mason encantavam-me. E se mais não li foi porque não havia; ou talvez não achasse...
Foi igualmente nessa época que a minha veia literária despertou. Embora já redigisse, nas aulas de Português, pequenas estórias à laia de redacções, quase nada ou pouco elaboradas, seria a rainha do policial Agatha Christie (ou inspirado nela), após ter lido uma reportagem sobre a sua vida e dezenas dos seus livros, quem me faria aventurar em algo maior... na minha primeira obra literária: uma novela. A temática, influenciado pelas leituras de então, não poderia ser outra: policial. Talvez devido ao factor idade, fiz de um jovem estudante – um adolescente de 14 ou 15 anos, tal como o seu criador – o meu Hercule Poirot, construindo uma trama que se ambientava numa escola secundária provinciana, algures na Beira Alta, um estabelecimento de ensino fictício inspirado naquele que frequentei, no qual uma aluna pereceria. Suicídio ou assassínio era a (principal) questão que dominava toda a narrativa, sendo esclarecida somente nas derradeiras páginas. Mantive esse personagem adolescente, um estudante perspicaz com ares de detective, noutras novelas juvenis que concebi nessa altura, tendo-o recuperado mais tarde, volvidas cerca de duas décadas, para protagonizar uma obra de maior fôlego, sendo agora um homem maduro, jornalista bem-sucedido, que larga a monotonia da advocacia para se dedicar à emoção da investigação e procura desvendar várias mortes misteriosas, ocorridas sem qualquer elo de ligação, ao longo de um bastante complexo serial killer.
E atrevi-me, ainda nos meus tempos de estudante, enquanto redigia a referida novela, a apresentar, num concurso literário promovido lá na escola, o primeiro conto que ousei mostrar: uma estória policial dactilografada em duas folhas, o mesmo texto que, transcorridas quase três décadas, resgataria da gaveta para o rever, amadurecendo e desenvolvendo algumas partes da narrativa, sem alterar a linha original, com o firme propósito de o incluir na primeira antologia literária dedicada ao género policial que decidi organizar.
Quanto à literatura policial, esta é caracterizada, regra geral, pela presença, na sua estrutura narrativa, de (pelo menos) um crime, da sua investigação e da revelação do malfeitor. Neste género literário, o foco remete para o processo de elucidação do mistério, empreitada a cargo de um detective, seja ele profissional ou amador. A essência da narrativa policial é a busca da identidade desconhecida, pela totalidade dos indícios, achando-se sempre (ou quase sempre) o criminoso entre quem menos se espera, ou suspeita, demonstrando que não pode haver crime perfeito, logo, não há lugar para a impunidade, isto é, para o crime sem punição, como sucede habitualmente nas obras de Agatha Christie e de Erle Stanley Gardner.
O texto de minha autoria inserido nesta antologia desvia-se um pouco desse padrão. Apresenta, numa “primeira vista” como sendo a trama principal, um episódio num restaurante perpetrado por um casal de marginais dedicados ao roubo que acabará por ser detido, no entanto, verifica-se em paralelo, na mesma trama, com alguma subtileza, uma sucessão de delitos bastante mais graves do que o acto de roubar, crimes hediondos praticados há muitos anos cuja autoria só será conhecida num momento de pânico – em que a personagem que os cometeu, escondida sob a máscara de pessoa virtuosa e acima de qualquer suspeita, é confrontada com outra situação assaz perigosa e, vendo a sua vida de novo em perigo, rememora o mal que fizera no passado. Aqui, esses crimes mostram um rosto porque a pessoa que os executou, deixando-se levar pelas emoções, confessa-se ao leitor sob a forma de dolorosas recordações, associando-lhes o seu rosto somente nestas circunstâncias, algo que difere na maioria das obras dos autores anteriormente citados; contudo, estes crimes permanecem sem rosto na investigação policial.
Com o lançamento da Colecção Sui Generis, e após tantos e variados temas já terem sido abordados nas suas obras colectivas, era inevitável que viesse a organizar uma antologia dedicada ao policial, especialmente quando o próprio organizador, apesar de apreciar diversos géneros literários, é amante aficionado da literatura policial. Uma Antologia de Contos Policiais jamais poderia ser olvidada nesta Colecção! Todavia, em Crimes Sem Rosto não se impõe a fórmula que exige a presença de um crime e do respectivo investigador para o desvendar. Haja ou não haja detectives ou personagens com funções similares envolvidos, podemos criar um bom enredo com contornos policiais. Mais do que a comparência (ou inexistência) do investigador que apresenta soluções, privilegia-se, nos textos deste livro, a presença de um ou de vários crimes sem rosto, logo, não desvendados, cujo mistério é ou pode ser conhecido apenas pelo leitor.
São disso exemplo os contos de Grazielle Pacini Segeti, Manuel Amaro Mendonça e Teresa Morais. No primeiro caso, as polícias chilena e brasileira que investigam a morte de uma mulher num tonel de vinho não chegam ao autor desse crime, que se revela somente ao leitor. No segundo caso, um jantar natalício que decorre na tranquilidade familiar só é perturbado pela notícia de outro homicídio ocorrido em escassos meses, sem que a polícia vislumbre qualquer pista que a conduza ao assassino, mas o leitor vê-lo-á a desfazer-se da arma do crime. No terceiro caso, a autoria dos assassinatos que abalam uma pacata aldeia, cometidos por uma reservada mas afável solteirona, apenas interessada no seu tricot e na sua jardinagem, só será revelada na mente da criminosa. Cito ainda o texto confessional de William Schmahl Barros cuja protagonista desprovida de algum tipo de arrependimento ou remorso se desnuda assumindo os seus crimes para justificar o seu sucesso profissional: Todas as mortes foram necessárias para que eu me tornasse quem sou hoje. Podia mencionar mais exemplos, mas não me parece conveniente expor a totalidade dos contos neste prefácio. E se a obra no seu todo contém outras estórias cujos crimes narrados se desvendam no decorrer das tramas, afastando-se do tema proposto, não deixa de ser verdade que, pelo menos por algum tempo, os mesmos ter-se-ão mantido sem rosto.
Na cena real, inúmeros crimes permanecem demasiado tempo sob investigação até que a verdade seja conhecida, mas também há aqueles cujos malfeitores nunca são descobertos. Ainda que, por vezes, se verifique (em assassínios, por exemplo) algum crime perfeito, sem qualquer rosto associado, a maioria dos casos acaba sempre por ganhar, mais cedo ou mais tarde, um rosto. Nos textos que integram esta antologia literária, escritos por 18 autores portugueses e brasileiros, mais importante do que a solução do crime, ou a revelação do criminoso, é a existência do crime que não é desvendado na sociedade em que se insere, logo, que não tenha um rosto visível, apesar de, com bastante frequência, os autores desses crimes deixarem transparecer ao leitor, nalgum momento, as suas façanhas.
Boas leituras!
Isidro Sousa




  
CRIMES SEM ROSTO
Antologia de Contos Policiais
Autores: Vários Autores
Organização e Coordenação: Isidro Sousa
Colecção Sui Generis
Editora Euedito


ISBN: 978-989-8856-58-6
Depósito Legal: 429168/17


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20 fevereiro, 2018

CRIMES SEM ROSTO – BREVEMENTE DISPONÍVEL






  
CRIMES SEM ROSTO
Antologia de Contos Policiais
Colecção Sui Generis



Ficará brevemente disponível a antologia «Crimes Sem Rosto», que inclui textos policiais de 18 autores lusófonos ao longo de 200 páginas.



Autores participantes:

Ana Campos
Angelina Violante
Carlos Arinto
Estêvão de Sousa
Filipe Vieira
Gisa Borges
Grazielle Pacini Segeti
Isidro Sousa
João Natalino
Joaquim Mendes
José Carlos Brandão
Manuel Amaro Mendonça
Marcia Lins Zotarelli
Sara Timóteo
Suzete Fraga
Teresa Morais
Tito Prates
William Schmahl Barros


CRIMES SEM ROSTO
Antologia de Contos Policiais
Organização e Coordenação: Isidro Sousa
Colecção Sui Generis
Editora Euedito


ISBN: 978-989-8856-58-6
Depósito Legal: 429168/17


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