07 fevereiro, 2016

A BÍBLIA DOS PECADORES - ISIDRO SOUSA ENTREVISTADO NA «DIVULGA ESCRITOR»


ENTREVISTA: ESCRITOR ISIDRO SOUSA

«O principal desafio reside em vencer o preconceito.
Especialmente isso: vencer todo e qualquer tipo de preconceito!»


Isidro Sousa nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, e vive em Lisboa. Editou a revista Korpus (1996-2008), dirigiu o jornal Púbico (2008-2012) e produz anualmente o guia turístico Lisbon Gay Guide. Entre 2014-2015, participou em dezenas de obras colectivas (Portugal e Brasil) e foi distinguido com o 2º Prémio no 5º Concurso Literário da Papel D’Arroz. Organizou: «1ª Antologia de Literatura Homoerótica Portuguesa» (com o patrocínio da Câmara Municipal de Lisboa), «A Bíblia dos Pecadores» (lançamento em Fevereiro), «Boas Festas» (Silkskin Editora) e «O Beijo do Vampiro». Dirige a Colecção Sui Generis e tem a decorrer duas novas antologias: «Vendaval de Emoções» e «Ninguém Leva a Mal». Editará brevemente «De Lírios», compilação de textos publicados em várias colectâneas, «O Pranto do Cisne» (contos homoeróticos) e «Juno e Java», o seu primeiro romance.


Escritor Isidro Sousa, é um prazer contarmos com a sua participação no projeto Divulga Escritor, conte-nos o que o motivou a ter gosto pela escrita literária?

O prazer é meu; e desde já agradeço a oportunidade de poder expressar-me. O gosto pela escrita surgiu na adolescência, graças a Agatha Christie, essa magnífica rainha do policial. Eu era um ratinho das bibliotecas, devorava qualquer livro que achava. Levava para casa o maior número que me era permitido. Um dia (tinha 13 ou 14 anos), uma reportagem, que abordava o modo como Agatha Christie iniciou a sua obra, fez-me tomar a decisão: se ela conseguiu, eu também! E escrevi a minha primeira narrativa. Comecei, então, a narrar as minhas tramas, numa descontracção (ainda) infanto-juvenil e à laia de novelas policiais. Construí variadíssimos enredos, escrevi e reescrevi, rasguei e tornei a escrever. Tudo isto durante vários e longos anos. Mais tarde, consegui publicar (pequenos) contos em revistas e jornais. No entanto, só agora consigo realizar o sonho: publicar o meu primeiro livro.  

Em que momento pensou em escrever o romance “Juno e Java”?

É o primeiro romance, a obra que marca a minha estreia literária, o meu cartão de visita enquanto autor. Concebi-o e escrevi-o no final do século passado, em 1999... há muitos anos... quase vinte! Esperei demasiado pela publicação. Desesperei; todavia, jamais perdi a esperança! Aborda temas sensíveis, pouco explorados, pelo menos no contexto português. Submeti-o a algumas (grandes) editoras; embora a sua edição nunca tivesse sido rejeitada, a verdade é que nenhuma dessas editoras ousou publicá-lo. Retrata o amor no masculino... isto é: o amor entre pessoas do mesmo sexo. Terá sido esse o entrave? Infelizmente, o preconceito mantém-se. Nos tempos que correm, é politicamente correcto não discriminar. Todavia, quando chega a hora da verdade, prevalecem situações como esta. Se não tivesse qualidade, receberia a resposta-padrão típica de que a obra não se «enquadra» na linha editorial da editora. Mas não. Nem esse tipo de resposta (esfarrapada) me foi concedida!

Quais os principais desafios para a escrita desta obra?

O principal desafio reside em vencer o preconceito. Especialmente isso: vencer todo e qualquer tipo de preconceito! Escrevi esta obra no final do século XX, nos últimos meses de 1999, numa época em que o preconceito grassava... fazia muita comichão! Hoje (com a evolução dos tempos) é politicamente correcto não discriminar – refiro-me a qualquer tipo de discriminação! O racismo, por exemplo. Embora digam que não, o racismo continua. O preconceito contra a pobreza mantém-se. A homofobia também. Há que lutar contra isso! E a luta passa (também) por esclarecer mentes confusas, ignorantes, ou menos informadas. A ignorância é o maior aliado do preconceito! Apresentando uma história sublime, como a que é narrada nesta obra, posso contribuir muito para abrir mentalidades. E sem chocar ninguém...

De que forma estes desafios estão sendo superados?

Quando se aborda um tema sensível como a relação homoafectiva – cada vez mais presente nas vidas ou ambiências de todos nós – passa justamente por aí: esclarecer e formar mentalidades. Mostrar que estas relações não são estanques, nem são exactamente como (erroneamente) lhes foi transmitido. Existe sentimento! Existe sofrimento! Existe amor! Existe algo sublime! Claro que (também) são comuns situações menos agradáveis... mas não se pode generalizar. Repito: o preconceito é fruto da ignorância! É justamente isso que «Juno e Java» mostra: o amor entre duas pessoas «iguais» pode ser vivenciado de um modo tão autêntico (ou mais) que o amor entre pessoas de sexo diferenciado. Por outro lado, as próprias editoras sentem engulhos em lançar obras cujos temas abordados fujam da norma. Eu senti isso.

Você é idealizador da antologia “A Bíblia dos Pecadores”. Conte-nos um pouco sobre objectivos e temas abordados nos textos que compõe a antologia.

Eis uma grande obra colectiva que me deu imenso prazer organizar. Tanto, ou mais, quanto ter escrito o romance! Reúne 44 autores – 30 portugueses e 14 brasileiros – e aborda temas variadíssimos. Cada texto é inspirado num episódio da Bíblia e cada autor criou a sua história a partir de uma citação. Temos histórias belíssimas! Desde o amor sublime às previsões apocalípticas. Dramas familiares inspirados na tragédia de Abel... a figura de Eva deu pano para mangas, a de Madalena também... a trama que eu escrevi, por exemplo, debruça-se sobre as consequências do adultério (inspira-se numa passagem do Deuteronómio)... há sátiras, comédias, aventuras, histórias de amor romântico, tragédias, peças de teatro... e temas abordados como: voluntariado, missões humanitárias, consequências do alistamento em fileiras islâmicas, Direitos Humanos em solo africano... são imensos os temas abordados. Cada autor, um tema distinto! Crónicas, prosa poética, policiais, ficção científica... há tramas para todos os gostos. Seria fastidioso enumerá-los todos nesta entrevista.  

Quem desejar fazer reserva para compra de «Juno e Java» e de «A Bíblia dos Pecadores», como proceder?

A publicação do romance «Juno e Java» foi adiada para a Primavera, devido ao conflito que surgiu com a editora que o iria publicar (no passado mês de Dezembro), razão pela qual ocorreu o rompimento. O romance será publicado através da nova editora que está a ser constituída, cujo nome será Sui Generis. O nome Sui Generis já existe enquanto título de uma Colecção de Antologias, com a chancela da editora EuEdito. Embora a colecção já exista, a (nova) editora será lançada durante os próximos meses; não obstante (até a editora estar oficialmente constituída), todas as obras Sui Generis serão publicadas pela EuEdito. «A Bíblia dos Pecadores» tem o lançamento marcado para o próximo dia 13 de Fevereiro, em Lisboa. E qualquer reserva poderá ser feita através do nosso blogue (http://isidelirios.blogspot.pt), por e-mail (letras.suigeneris@gmail.com) e através das redes sociais.

Quais os seus principais objetivos como escritor?

O meu principal objectivo como escritor (não gosto deste termo; prefiro autor) será sempre escrever até que a mão me doa. Ou até que a imaginação me falhe. Escrevo desde criança; adorei conceber e narrar as minhas próprias tramas desde tenra idade. Tive vivências ao longo da vida (refiro-me a vivências jornalísticas) através das quais assimilei outras experiências, convivi com várias sensibilidades, testemunhei imensas realidades. Embora a minha escrita nunca seja totalmente real, procuro combinar experiências reais com a ficção. É um bom casamento! Depois, construo as minhas próprias narrativas. Por norma, as minhas tramas nunca deixam o leitor indiferente. Mas leiam e tirem as vossas próprias conclusões! Se conseguir vingar enquanto autor, quero dizer... viver à base da escrita, ou do que a escrita me possa proporcionar... seria a minha maior felicidade. Nada mais pediria nesta vida.

O que mais o encanta na área literária?

Principalmente, o processo de construir uma história! Vivências que muitas vezes fogem à nossa realidade e a capacidade de produzir emoções, que tantas vezes vão ao encontro das vivências reais. Produzir ficção a partir da realidade. Fazer que, nas tramas que relato, o leitor se reveja... por mais absurda que seja a história vou narrar. Fazer que essa mesma história mexa com o mais íntimo de cada ser humano. Porque a sensibilidade está (e estará) sempre presente nas minhas narrativas; mesmo o leitor mais insensível sentir-se-á tocado... independentemente do tema abordado.

Quais as melhorias que você citaria para o mercado literário em Portugal?

Este é o assunto menos agradável… que gostaria de referir. Centro-me somente na realidade portuguesa. Desconheço a realidade no Brasil; portanto, ignoremo-la. Primeiro: as deficiências começam pelas próprias editoras, que grassam como cogumelos com fins meramente comerciais e cujo único objectivo é facturar… não vejo qualidade; não vejo rigor; não vejo preocupação com o autor que pretende lançar a sua obra e necessita de algum apoio. Vejo muitos oportunismos. Vejo somente quem queira facturar… encher bolsos de dinheiro à custa de autores mais desprevenidos (desculpem a crueza, é a realidade). Colaborei durante três meses com um grupo editorial… assisti a cruzes do arco da velha... cortei relações! Foi o suficiente para verificar a desonestidade, a falta de transparência, a ausência de tudo e mais alguma coisa que grassa por aí. Aos autores que desejem apresentar alguma obra a alguma editora recomendo: mil cuidados!!!... Nunca serão demais! Avaliem bem (muito bem) a editora que procuram antes de lhe apresentarem os vossos trabalhos.


Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer melhor o escritor Isidro Sousa. Agradecemos sua participação no projeto Divulga Escritor. Que mensagem você deixa para nossos leitores?

Aos leitores: antes de comprarem o meu livro ou alguma das minhas antologias, pesquisem o meu blogue... não quero que se sintam enganados! Se gostarem, comprem os livros e deliciem-se! Mas leiam mesmo!!!... Aos autores: escrevam. Escrevam muito! Leiam e releiam o que escreveram. Leiam muito. Muito mesmo! Tornem a ler, voltem a reler. Corrijam sempre… sempre que for necessário. Corrijam quantas vezes considerarem necessárias. Mesmo assim, tornem a ler! Leiam mil vezes, se necessário for. Enquanto o próprio autor não estiver satisfeito com o texto que escreveu… ninguém mais gostará! E não liguem aos comentários dos amigos... os amigos gostam sempre, mas nunca farão a crítica construtiva que nos permite evoluir. Um bom autor precisa de evoluir… e não dos comentários (positivos) do amigo que gosta de tudo aquilo que nós fazemos. Por vezes, vale mais uma crítica negativa... mesmo que doa! Por outro lado, no momento de procurarem uma editora para editar a vossa obra… volto a frisar: cuidado!... Muito cuidado com as entrelinhas!... Se não souberem interpretar um contrato, procurem alguém que saiba fazê-lo. Para que não se arrependam mais tarde. Não esqueçam: fala a voz da experiência!


Contacto para participações (em antologias) e encomenda de livros:
letras.suigeneris@gmail.com 






---
Entrevista publicada na «Divulga Escritor», páginas 17-20
Revista Literária da Lusofonia, Edição Nº 18, Fevereiro 2016
http://www.divulgaescritor.com/products/divulga-escritor-revista-literaria-da-lusofonia-ano-iv-n-18-fev-mar-2016/

Sem comentários:

Enviar um comentário